14.4.15

Redução da maioridade penal (PEC 171/1993). Ensaio.

Vagney Palha de Miranda, colega da faculdade de Direito e da lida advocatícia, e eu criamos o ensaio a seguir. Tema borbulhante que merece nossa atenção. Vale a leitura. Vagney, muito obrigado por colaborar ao blog ao permitir a publicação dessa nossa obra conjunta. Repitamos a dose. Grande abraço.




REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
(PEC 171/1993)

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, em sessão realizada em 31/03/2015, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados representa claro retrocesso na forma de punição dos adolescentes e crianças, visto que o sistema prisional brasileiro é comprovadamente uma forma ineficaz de reeducação e ressocialização dos transgressores da legislação criminal.

Trata-se de PEC apresentada pelo Deputado Benedito Domingo do Partido Popular (PP/DF) em 19/08/1993, mas mantida engaveta por falta de apoio dos próprios congressistas.

Ao nosso sentir, com o retorno da pauta dessa PEC, os Deputados visam desviar a atenção da população da grave crise por qual passa o Poder Legislativo e a classe política em geral nos últimos tempos.

A aprovação da PEC 171/1993 na Comissão de Constituição e Justiça representa análise prévia de constitucionalidade da proposta de alteração do artigo 228, da Constituição Federal, que preconiza que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, que estão sujeitos às normas da legislação especial.

Entretanto, o nosso mais forte argumento contra a redução da maioridade penal para 16 anos é estritamente jurídico.

Assim, defendemos que o artigo 228, da Constituição Cidadã, efetivo dispositivo de constituição de direito e de garantia individual do menor de 18 anos, é cláusula pétrea e, portanto, insuscetível de mudança por meio de Emenda Constitucional, conforme disposto no artigo 60, § 4º, IV, do Diploma Federal.

Além disso, podemos ainda valer-se do princípio constitucional implícito que veda o retrocesso, segundo o qual, uma vez atingido dado progresso social, político ou jurídico, há proibição expressa na Constituição Federal de retrocesso.

Cumpre notar que as cláusulas pétreas não são definidas apenas em razão da sua localização topográfica na Constitucional Federal, mas sobretudo em face de sua natureza e valores imanentes.

Assim a PEC 171/1993, além de inconstitucionalmente, é socialmente prejudicial, haja vista que, se aprovada, tornará adolescentes de 16 a 18 anos expostos ao convívio com criminosos experientes, desvirtuando-se completamente o pressuposto de redução e ressocialização da punição.

Não podemos também olvidar que por força do artigo 227, caput, da Carta Magna é dever também do Estado “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Por conseguinte, a marginalização das crianças e adolescentes representa uma falha inexplicável e inaceitável do Estado em colocar em prática políticas sociais voltadas ao desenvolvolvimento e amparo dessas pessoas.

Veja-se que os artigos 228 e 229, da Constituição de 1988 têm o escopo de materializar os desideratos constitucionais estatuídos nos artigos 1º, inciso III, 3º incisos I, III e IV, 6º e 7º da Carta Magna, que são cláusulas pétreas.

Nessa seara, concluímos que o Estado não pode furtar-se da sua responsabilidade de assegurar e promover, com absoluta prioridade, a dignidade humana, a educação, o lazer e o acesso à cultura, além de colocar os jovens a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em vez de reduzir a maioridade penal, o Congresso deve criar mecanismos jurídicos e financeiros para universalizar a educação de qualidade e oferecer preparo para que os jovens das comunidades carentes possam elevar-se socialmente por meio de suas próprias capacidades.

A sociedade justa, igual e solidária não será atingida com a PEC 171/1993, mas com educação para a vida, para a cidadania e êxito profissional e social.

A Proposta de Emenda Constitucional em comento visa apenas desviar a responsabilidade pela violência do Estado perante o adolescente.

Cabe ao Estado colocar os adolescentes a “salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O fracasso do Estado em atingir esses objetivos se traduz na sua tentativa de instituir a imputação penal ao menor de 18 anos.

Assim, é forçoso concluir que os adolescentes são vítimas da negligência do Estado, da marginalização social.

Por conseguinte, sob o prisma exclusivamente jurídico a PEC 171/93 representa uma grave violação de princípios e de valores exarados não só nos artigos acima mencionados, mas também no preâmbulo da Lei Maior que estatui que o Estado brasileiro é um Estado Democrático destinado à assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Ademais, repita-se que a aprovação da PEC 171/1993 obrigaria a coabitação do hoje chamado ‘menor infrator’, amanhã apenas mais um ‘criminoso’, em presídios superlotados com criminosos adultos, organizados, poderosos e perigosos, de sorte que seriam facilmente cooptados pelas organizações criminosas. Não haveria ressocialização para o convívio harmonioso e pacífico na sociedade.

 Então, a PEC 171/1993 teria efeito prático oposto ao pretendido, de sorte que, definitivamente, do ponto vista social, essa proposta de Emenda Constitucional é totalmente contrária aos verdadeiros interesses do povo brasileiro, que almeja apenas uma sociedade humana, pacífica, harmoniosa e solidária.

Mais: não é preciso muito esforço mental para perceber que os custos sociais e financeiros iriam aumentar com a aprovação da PEC e a sociedade seria a grande perdedora, principalmente nas parcelas marginalizadas, cujos adolescentes estão comumente expostos à situações de risco em face da vulnerabilidade econômica e social.

Temos que haveria um retrocesso jurídico, visto que os direitos humanos desse grupo social seriam totalmente olvidados, além de retrocesso social com o desemparo jurídico de parcelas marginalizadas e aumento da violência, ao invés de sua redução.

Nesse sentido, a PEC está caminhando em sentido contrário aos países desenvolvidos.

A França pretende adotar medidas que visem a plena inserção dos menores de 18 anos na sociedade por meio de atividades de integração social e de educação voltadas aos preparos desses jovens para suas responsabilidades, além da consciência de seus direitos.

Portanto, educar os jovens e prevenir os crimes sai mais barato que criminalizar condutas dos adolescentes. Além disso, boa educação, com acesso à cultura e lazer, criará cidadãos com autoestima elevadas, confiantes de possibilidades e talentos, de sorte que pessoas com esses perfis serão mais resistentes ao crime e à condutas infracionais.

Não podemos olvidar que a maioria dos nossos Congressistas não tem qualquer preparo para entender o verdadeiro impacto jurídico e social da aprovação da PEC 171/1993. Apenas votam com suas bancadas em troca de algum dinheiro para financiar suas companhas para manterem-se no poder. Outra parte deles tem convicções atrasadas e distorcidas da melhor forma de lidar com os menores infratores. 

Estamos com aqueles que entendem que a educação dos seus jovens para a cidadania, seu preparo para ascender socialmente, é a forma mais eficaz e duradoura para combater a criminalidade, visto que impede que muitos jovens pratiquem atos infracionais.

Pesquisas nos Estados Unidos comprovam que o encarceramento de adolescentes não tem efeito prático relevante na redução da criminalidade.

Nesse país, verifica-se a redução de encarceramento de adolescentes, de forma que não só o Judiciário, mas também os legisladores estaduais vêm restringindo a punição de menores.

Recentemente, muitos Estados americanos baniram a pena de morte de crianças e adolescentes, do que ressai a tendência gradual de diminuir as punições aos menores infratores.

Além de Washington, vários Estados americanos promulgaram leis que dificultam imputabilidade de adolescentes, razão porque o encarceramento de adolescentes nesses Estados baixou 65% entre 2007 e 2012.

Temos ainda de observar estudos sérios que comprovam que o encarceramento de adolescentes tem pouco impacto na redução da criminalidade.

A Suécia fechou vários estabelecimentos prisionais depois que decidiu investir na reabilitação e reeducação de presos.

A tendência mundial é de descriminalizar condutas e ou reduzir penas para infrações menos graves ou com pouco impacto social, além de adotar penas alternativas, que não encarceram os infratores.

A Suécia percebeu de forma clara que o crime é determinado socialmente e que o papel central do Estado é educar e premir os crimes e, quando efetivamente ocorrem, investir na ressocialização dos infratores e sempre que possível evitar o regime fechado.

Portanto, o povo brasileiro tem que exigir que o Estado implemente as políticas públicas voltadas a propiciar aos adolescentes, “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Cumprindo o Estado o seu papel constitucional, não precisaremos de legisladores demagógicos, ignorantes e despreparados, marionetes das lideranças para criar leis e emendas constitucionais arcaicas e contrárias aos verdadeiros interesses do povo brasileiro.

Além de tudo isso, cumpre-nos salientar que os atos infracionais praticados por crianças e adolescentes são punidos na forma estatuída na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).

Portanto, não que há que se confundir impunidade com inimputabilidade penal, que é caracterizada pela incapacidade intelectual e psíquica de punibilidade.

O que o artigo 228, da Constituição Federal impede é a imputação penal, evitando a punição de crianças e adolescentes como adulto e, por consequência, que passem a conviver em nossos sistemas prisionais superlotados, violentos e incapazes de atender aos objetivos fundamentais da pena, de educar e ressocializar o infrator.

Embora na prática nosso sistema de reeducação e ressocialização dos menores de 18 anos de idade não seja muito eficaz, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma lei moderna que garante os meios jurídicos necessários para reeducação dos menores de 18 anos, separando-os do convívio de criminosos maduros e, muitas vezes, integrantes de facções criminosas.

O ECA é a legislação especial de que trata o artigo 228, da Carta Magna. Esse diploma legal trata das punições aos menores infratores (artigos 112 e seguintes), as chamadas medidas socioeducativas.

Portanto, a PEC 171/1993, além de inconstitucional, representa enorme retrocesso jurídico e social, além de atingir objetivos inversos dos que objetiva.

Por todo o exposto, a nosso sentir, em vez punir os menores de 18 anos como adultos, o Estado deve cumprir seu papel constitucional no sentido de possibilitar aos adolescentes o pleno desenvolvimento afetivo e educacional de sua personalidade, da autoestima, de seu progresso mental e intelectual, possibilitando-os exercer ocupações a fim de obterem os meios dignos de vida e sustento.




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