REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
(PEC 171/1993)
A
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, em sessão
realizada em 31/03/2015, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
da Câmara dos Deputados representa claro retrocesso na forma de punição dos
adolescentes e crianças, visto que o sistema prisional brasileiro é
comprovadamente uma forma ineficaz de reeducação e ressocialização dos
transgressores da legislação criminal.
Trata-se
de PEC apresentada pelo Deputado Benedito Domingo do Partido Popular (PP/DF) em
19/08/1993, mas mantida engaveta por falta de apoio dos próprios congressistas.
Ao
nosso sentir, com o retorno da pauta dessa PEC, os Deputados visam desviar a
atenção da população da grave crise por qual passa o Poder Legislativo e a classe
política em geral nos últimos tempos.
A
aprovação da PEC 171/1993 na Comissão de Constituição e Justiça representa
análise prévia de constitucionalidade da proposta de alteração do artigo 228,
da Constituição Federal, que preconiza que são penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, que estão sujeitos às normas da legislação especial.
Entretanto,
o nosso mais forte argumento contra a redução da maioridade penal para 16 anos
é estritamente jurídico.
Assim,
defendemos que o artigo 228, da Constituição Cidadã, efetivo dispositivo de
constituição de direito e de garantia individual do menor de 18 anos, é
cláusula pétrea e, portanto, insuscetível de mudança por meio de Emenda Constitucional,
conforme disposto no artigo 60, § 4º, IV, do Diploma Federal.
Além
disso, podemos ainda valer-se do princípio constitucional implícito que veda o
retrocesso, segundo o qual, uma vez atingido dado progresso social, político ou
jurídico, há proibição expressa na Constituição Federal de retrocesso.
Cumpre
notar que as cláusulas pétreas não são definidas apenas em razão da sua
localização topográfica na Constitucional Federal, mas sobretudo em face de sua
natureza e valores imanentes.
Assim
a PEC 171/1993, além de inconstitucionalmente, é socialmente prejudicial, haja
vista que, se aprovada, tornará adolescentes de 16 a 18 anos expostos ao
convívio com criminosos experientes, desvirtuando-se completamente o
pressuposto de redução e ressocialização da punição.
Não
podemos também olvidar que por força do artigo 227, caput, da Carta Magna é dever também do Estado “assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Por
conseguinte, a marginalização das crianças e adolescentes representa uma falha
inexplicável e inaceitável do Estado em colocar em prática políticas sociais
voltadas ao desenvolvolvimento e amparo dessas pessoas.
Veja-se
que os artigos 228 e 229, da Constituição de 1988 têm o escopo de materializar
os desideratos constitucionais estatuídos nos artigos 1º, inciso III, 3º
incisos I, III e IV, 6º e 7º da Carta Magna, que são cláusulas pétreas.
Nessa
seara, concluímos que o Estado não pode furtar-se da sua responsabilidade de
assegurar e promover, com absoluta prioridade, a dignidade humana, a educação,
o lazer e o acesso à cultura, além de colocar os jovens a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Em
vez de reduzir a maioridade penal, o Congresso deve criar mecanismos jurídicos
e financeiros para universalizar a educação de qualidade e oferecer preparo
para que os jovens das comunidades carentes possam elevar-se socialmente por
meio de suas próprias capacidades.
A
sociedade justa, igual e solidária não será atingida com a PEC 171/1993, mas
com educação para a vida, para a cidadania e êxito profissional e social.
A Proposta
de Emenda Constitucional em comento visa apenas desviar a responsabilidade pela
violência do Estado perante o adolescente.
Cabe
ao Estado colocar os adolescentes a “salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O fracasso do Estado em atingir esses objetivos se
traduz na sua tentativa de instituir a imputação penal ao menor de 18 anos.
Assim, é forçoso concluir que os adolescentes são
vítimas da negligência do Estado, da marginalização social.
Por
conseguinte, sob o prisma exclusivamente jurídico a PEC 171/93 representa uma
grave violação de princípios e de valores exarados não só nos artigos acima
mencionados, mas também no preâmbulo da Lei Maior que estatui que o Estado brasileiro
é um Estado Democrático destinado à assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
Ademais,
repita-se que a aprovação da PEC 171/1993 obrigaria a coabitação do hoje
chamado ‘menor infrator’, amanhã apenas mais um ‘criminoso’, em presídios
superlotados com criminosos adultos, organizados, poderosos e perigosos, de sorte
que seriam facilmente cooptados pelas organizações criminosas. Não haveria
ressocialização para o convívio harmonioso e pacífico na sociedade.
Então, a PEC 171/1993 teria efeito prático
oposto ao pretendido, de sorte que, definitivamente, do ponto vista social,
essa proposta de Emenda Constitucional é totalmente contrária aos verdadeiros
interesses do povo brasileiro, que almeja apenas uma sociedade humana,
pacífica, harmoniosa e solidária.
Mais:
não é preciso muito esforço mental para perceber que os custos sociais e
financeiros iriam aumentar com a aprovação da PEC e a sociedade seria a grande
perdedora, principalmente nas parcelas marginalizadas, cujos adolescentes estão
comumente expostos à situações de risco em face da vulnerabilidade econômica e
social.
Temos
que haveria um retrocesso jurídico, visto que os direitos humanos desse grupo
social seriam totalmente olvidados, além de retrocesso social com o desemparo
jurídico de parcelas marginalizadas e aumento da violência, ao invés de sua
redução.
Nesse
sentido, a PEC está caminhando em sentido contrário aos países desenvolvidos.
A
França pretende adotar medidas que visem a plena inserção dos menores de 18
anos na sociedade por meio de atividades de integração social e de educação
voltadas aos preparos desses jovens para suas responsabilidades, além da
consciência de seus direitos.
Portanto,
educar os jovens e prevenir os crimes
sai mais barato que criminalizar condutas dos adolescentes. Além disso, boa
educação, com acesso à cultura e lazer, criará cidadãos com autoestima
elevadas, confiantes de possibilidades e talentos, de sorte que pessoas com
esses perfis serão mais resistentes ao crime e à condutas infracionais.
Não
podemos olvidar que a maioria dos nossos Congressistas não tem qualquer preparo
para entender o verdadeiro impacto jurídico e social da aprovação da PEC 171/1993.
Apenas votam com suas bancadas em troca de algum dinheiro para financiar suas
companhas para manterem-se no poder. Outra parte deles tem convicções atrasadas
e distorcidas da melhor forma de lidar com os menores infratores.
Estamos
com aqueles que entendem que a educação dos seus jovens para a cidadania, seu
preparo para ascender socialmente, é a forma mais eficaz e duradoura para
combater a criminalidade, visto que impede que muitos jovens pratiquem atos
infracionais.
Pesquisas
nos Estados Unidos comprovam que o encarceramento de adolescentes não tem
efeito prático relevante na redução da criminalidade.
Nesse
país, verifica-se a redução de encarceramento de adolescentes, de forma que não
só o Judiciário, mas também os legisladores estaduais vêm restringindo a
punição de menores.
Recentemente,
muitos Estados americanos baniram a pena de morte de crianças e adolescentes,
do que ressai a tendência gradual de diminuir as punições aos menores
infratores.
Além
de Washington, vários Estados americanos promulgaram leis que dificultam
imputabilidade de adolescentes, razão porque o encarceramento de adolescentes
nesses Estados baixou 65% entre 2007 e 2012.
Temos
ainda de observar estudos sérios que comprovam que o encarceramento de
adolescentes tem pouco impacto na redução da criminalidade.
A Suécia fechou vários estabelecimentos prisionais
depois que decidiu investir na reabilitação e reeducação de presos.
A tendência mundial é de descriminalizar condutas e
ou reduzir penas para infrações menos graves ou com pouco impacto social, além
de adotar penas alternativas, que não encarceram os infratores.
A
Suécia percebeu de forma clara que o
crime é determinado socialmente e que o papel central do Estado é educar e
premir os crimes e, quando efetivamente ocorrem, investir na ressocialização
dos infratores e sempre que possível evitar o regime fechado.
Portanto,
o povo brasileiro tem que exigir que o Estado implemente as políticas públicas
voltadas a propiciar aos adolescentes, “com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Cumprindo
o Estado o seu papel constitucional, não precisaremos de legisladores demagógicos,
ignorantes e despreparados, marionetes das lideranças para criar leis e emendas
constitucionais arcaicas e contrárias aos verdadeiros interesses do povo
brasileiro.
Além
de tudo isso, cumpre-nos salientar que
os atos infracionais praticados por crianças e adolescentes são punidos na
forma estatuída na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
Portanto, não que há que se confundir impunidade
com inimputabilidade penal, que é caracterizada pela incapacidade intelectual e
psíquica de punibilidade.
O que o artigo 228, da Constituição Federal impede
é a imputação penal, evitando a punição de crianças e adolescentes como adulto
e, por consequência, que passem a conviver em nossos sistemas prisionais
superlotados, violentos e incapazes de atender aos objetivos fundamentais da
pena, de educar e ressocializar o infrator.
Embora
na prática nosso sistema de reeducação e ressocialização dos menores de 18 anos
de idade não seja muito eficaz, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é
uma lei moderna que garante os meios jurídicos necessários para reeducação dos
menores de 18 anos, separando-os do convívio de criminosos maduros e, muitas
vezes, integrantes de facções criminosas.
O
ECA é a legislação especial de que trata o artigo 228, da Carta Magna. Esse
diploma legal trata das punições aos menores infratores (artigos 112 e
seguintes), as chamadas medidas socioeducativas.
Portanto,
a PEC 171/1993, além de inconstitucional, representa enorme retrocesso jurídico
e social, além de atingir objetivos inversos dos que objetiva.
Por
todo o exposto, a nosso sentir, em vez punir os menores de 18 anos como
adultos, o Estado deve cumprir seu papel constitucional no sentido de
possibilitar aos adolescentes o pleno desenvolvimento afetivo e educacional de
sua personalidade, da autoestima, de seu progresso mental e intelectual,
possibilitando-os exercer ocupações a fim de obterem os meios dignos de vida e
sustento.