4.2.15

Preto.

Todo. Jovem, magro e muito agitado. Aberta a porta de casa, logo quer arranjar jeito para sair. Corre pelas escadas acima ou abaixo, até o limite do desconhecido.
Era para se chamar Baiano, mas, imaginamos eventuais polêmicas e optamos por Bach. Ótimo. Gostamos de música clássica. Homenagem merecida.
Naquela manhã, como sempre, ele estava muito agitado. Corria pelo apartamento feito doido e tentava pular em mim. Ele gosta de subir no meu ombro e ficar pendurado no meu pescoço. Como eu estava atrasado para sair, acabei dando umas assustadas nele, de brincadeira, para ver se ele sossegava. Nada de mais, apenas encaradas e o velho súbito “tchhhh”. Eles não gostam disso. Se assustam, eriçam os pelos, arregalam os olhos. Ele correu mais e sumiu.
Procurei, procurei, chamei ele diversas vezes, abri e fechei portas de quartos e armários (às vezes esquecemos ele dentro). Nada. Será que arranjou um jeito de pular lá para baixo? Difícil. Colocamos telas nos quartos, cozinha e sacada. O outro banheiro estava aberto e não há rede de proteção na janela. Talvez tenha sido por lá. Enfim, desisti de procurá-lo e desci.
– Você viu um gato preto passando agora? Acho que meu gato caiu do apartamento.
– Vi, vi. Está nos fundos, atrás daquela árvore.
– Ai, caramba. Ando depressa, sem correr, com receio de assustá-lo.
– Baaach, Baaaach. Correu.
–  Não, não, para. Correu mais e passou pelo vão da água da chuva, para um terreno ao lado.
– Carai, já era.
– Anota meu celular. Vou em busca desse danado.
– Você v... Não. E, você, viu um g... Não. Eu vi. Acabou de escalar o telhado ao lado.
– Não acredito. Vou lá.
Era uma concessionária de veículos, com uma área de lavagem de carros coberta nos fundos. Ele deveria estar na cobertura de um dos espaços de lavagem. Estava. Um funcionário subiu na caixa d’água ao lado e viu o gato.
– Tá lá, parado, encolhido. Deixa eu ver se se mexe. E tacou pedras no animal (o animal). Se mexeu com agilidade, claro, e entrou no primeiro buraco que encontrou. Um pequeno vão entre a cobertura e uma viga próxima à parede do último alto biombo de limpeza dos carros.
Não vi isso. Quem viu foi outro funcionário. Fui lá. Subi uma escada comprida e tentei visualizar o bichano lá dentro. Bem complicado. Havia um tampão de lata entre o muro e o início do vão. Era muito escuro e nada de mios, barulhos.
– Mas ele tá mesmo lá dentro? Perguntavam.
Comecei a duvidar.
– Você viu mesmo ele entrando?
– Bem, acho que sim. Vi sim. Foi bastante rápido.
– Será que ele pode já ter saído?
Batemos na cobertura, chamei pelo seu nome. Nada certo. Às vezes, parecia ter ouvido pequenos ruídos ou um ou outro miado, mas muito de longe, muito incerto.
Os bombeiros. – Não iremos, há outra ocorrência mais grave.
Uma lanterna potente. Devo conseguir avistá-lo. Um amigo meu trouxe o instrumento. Subi, entortei um pouco o tampão do buraco (não sabia ao certo sua profundidade e comprimento, cheguei mesmo a pensar que era alto o suficiente para matar o coitado) e vi seus olhos brilharem na luz artificial. Estava bem ao fundo do buraco comprido, mas raso. Imóvel. Se mexeu um pouco e sumiu novamente, mais para o fundo.
– Preciso entrar lá, depois consertamos esse latão. (Esse meu amigo já tinha sugerido isso, tendo inclusive trazido um pé de cabra, uma marreta e pregos para o reparo.)
Entrei. Nada do gato. Mais ao fim outro vão, muito estreito e comprido. Era a parede do fundo da área de limpar os carros.
– Puxa vida. Sacanagem. Ele estava lá. Já no meio do caminho. No final, outra fenda, para a luz.
Ficou lá um tempo.
– Vamos botar comida aqui, jogar um pouco perto dele. Quem sabe? Feito. Nada.
Nesse tempo, já tinha chegado uma prima minha para ajudar, mulher desse meu amigo. Ela conseguiu convencer os bombeiros a virem. (“Se não vierem logo, não será só o gato que resgatarão.” Hehe, boa.)
A comida, como dito, não adiantou. Piorou. Ele prosseguiu pelo caminho estreito e ao invés de sair pela fresta final, entrou em outro buraco, para baixo da construção, entre terra e tijolos furados.
Os bombeiros chegaram. Entra no buraco, sobe na cobertura. Nem sinal.
– Vai ver está no meio desse outro muro. Os tijolos são furados, capaz de haver interligação entre eles. E há outro vão detrás desse muro. Deve sair uma hora, os gatos são espertos. Não podemos e nem é prudente quebrarmos a parede sem saber onde ele está. Se é que ainda está atrás da parede. Pode ter encontrado uma saída para a rua.
Das nove horas da manhã, já duas da tarde. Deixei meus telefones com os funcionários da concessionária, mais comida do lado de fora do primeiro buraco, e fomos almoçar.
Que coisa.
Fui para casa. Quem sabe não está aí dentro, nem saiu de casa?! Não. Procurei bem antes de sair. Abri a porta. Geralmente logo aparece, se já não está na porta miando. Não dessa vez. Olho para um lado, para o outro. Triste. Imagino come será contar para a minha esposa. – O Bach está dentro de uma parede da empresa dos fundos. Quem sabe ele sai, ou não ou foge para sempre?! Buáááá.
Vou escovar os dentes, desanimado, frustrado pelo esforço em vão.
Os rabos dos felinos costumam dizer muitas coisas. Se erguido, com pouco movimento, significa que o gato está animado, quer atenção, brincar. Se eriçado, o gato está com medo, assustado. Se balançar demais, rapidamente, ele está incomodado, estressado. – Sai de perto de mim.
Estava ereto, vagaroso. O reflexo do espelho denunciou.

    

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