Todo.
Jovem, magro e muito agitado. Aberta a porta de casa, logo quer arranjar jeito
para sair. Corre pelas escadas acima ou abaixo, até o limite do desconhecido.
Era
para se chamar Baiano, mas, imaginamos eventuais polêmicas e optamos por Bach.
Ótimo. Gostamos de música clássica. Homenagem merecida.
Naquela
manhã, como sempre, ele estava muito agitado. Corria pelo apartamento feito
doido e tentava pular em mim. Ele gosta de subir no meu ombro e ficar pendurado
no meu pescoço. Como eu estava atrasado para sair, acabei dando umas assustadas
nele, de brincadeira, para ver se ele sossegava. Nada de mais, apenas encaradas
e o velho súbito “tchhhh”. Eles não gostam disso. Se assustam, eriçam os pelos,
arregalam os olhos. Ele correu mais e sumiu.
Procurei,
procurei, chamei ele diversas vezes, abri e fechei portas de quartos e armários
(às vezes esquecemos ele dentro). Nada. Será que arranjou um jeito de pular lá
para baixo? Difícil. Colocamos telas nos quartos, cozinha e sacada. O outro
banheiro estava aberto e não há rede de proteção na janela. Talvez tenha sido
por lá. Enfim, desisti de procurá-lo e desci.
–
Você viu um gato preto passando agora? Acho que meu gato caiu do apartamento.
–
Vi, vi. Está nos fundos, atrás daquela árvore.
–
Ai, caramba. Ando depressa, sem correr, com receio de assustá-lo.
–
Baaach, Baaaach. Correu.
–
Não, não, para. Correu mais e passou
pelo vão da água da chuva, para um terreno ao lado.
–
Carai, já era.
–
Anota meu celular. Vou em busca desse danado.
–
Você v... Não. E, você, viu um g... Não. Eu vi. Acabou de escalar o telhado ao
lado.
–
Não acredito. Vou lá.
Era
uma concessionária de veículos, com uma área de lavagem de carros coberta nos
fundos. Ele deveria estar na cobertura de um dos espaços de lavagem. Estava. Um
funcionário subiu na caixa d’água ao lado e viu o gato.
–
Tá lá, parado, encolhido. Deixa eu ver se se mexe. E tacou pedras no animal (o
animal). Se mexeu com agilidade, claro, e entrou no primeiro buraco que
encontrou. Um pequeno vão entre a cobertura e uma viga próxima à parede do
último alto biombo de limpeza dos carros.
Não
vi isso. Quem viu foi outro funcionário. Fui lá. Subi uma escada comprida e
tentei visualizar o bichano lá dentro. Bem complicado. Havia um tampão de lata
entre o muro e o início do vão. Era muito escuro e nada de mios, barulhos.
–
Mas ele tá mesmo lá dentro? Perguntavam.
Comecei
a duvidar.
–
Você viu mesmo ele entrando?
–
Bem, acho que sim. Vi sim. Foi bastante rápido.
–
Será que ele pode já ter saído?
Batemos
na cobertura, chamei pelo seu nome. Nada certo. Às vezes, parecia ter ouvido
pequenos ruídos ou um ou outro miado, mas muito de longe, muito incerto.
Os
bombeiros. – Não iremos, há outra ocorrência mais grave.
Uma
lanterna potente. Devo conseguir avistá-lo. Um amigo meu trouxe o instrumento.
Subi, entortei um pouco o tampão do buraco (não sabia ao certo sua profundidade
e comprimento, cheguei mesmo a pensar que era alto o suficiente para matar o
coitado) e vi seus olhos brilharem na luz artificial. Estava bem ao fundo do
buraco comprido, mas raso. Imóvel. Se mexeu um pouco e sumiu novamente, mais
para o fundo.
–
Preciso entrar lá, depois consertamos esse latão. (Esse meu amigo já tinha
sugerido isso, tendo inclusive trazido um pé de cabra, uma marreta e pregos
para o reparo.)
Entrei.
Nada do gato. Mais ao fim outro vão, muito estreito e comprido. Era a parede do
fundo da área de limpar os carros.
–
Puxa vida. Sacanagem. Ele estava lá. Já no meio do caminho. No final, outra
fenda, para a luz.
Ficou
lá um tempo.
–
Vamos botar comida aqui, jogar um pouco perto dele. Quem sabe? Feito. Nada.
Nesse
tempo, já tinha chegado uma prima minha para ajudar, mulher desse meu amigo.
Ela conseguiu convencer os bombeiros a virem. (“Se não vierem logo, não será só
o gato que resgatarão.” Hehe, boa.)
A
comida, como dito, não adiantou. Piorou. Ele prosseguiu pelo caminho estreito e
ao invés de sair pela fresta final, entrou em outro buraco, para baixo da
construção, entre terra e tijolos furados.
Os
bombeiros chegaram. Entra no buraco, sobe na cobertura. Nem sinal.
–
Vai ver está no meio desse outro muro. Os tijolos são furados, capaz de haver
interligação entre eles. E há outro vão detrás desse muro. Deve sair uma hora,
os gatos são espertos. Não podemos e nem é prudente quebrarmos a parede sem saber
onde ele está. Se é que ainda está atrás da parede. Pode ter encontrado uma
saída para a rua.
Das
nove horas da manhã, já duas da tarde. Deixei meus telefones com os
funcionários da concessionária, mais comida do lado de fora do primeiro buraco,
e fomos almoçar.
Que
coisa.
Fui
para casa. Quem sabe não está aí dentro, nem saiu de casa?! Não. Procurei bem
antes de sair. Abri a porta. Geralmente logo aparece, se já não está na porta
miando. Não dessa vez. Olho para um lado, para o outro. Triste. Imagino come
será contar para a minha esposa. – O Bach está dentro de uma parede da empresa
dos fundos. Quem sabe ele sai, ou não ou foge para sempre?! Buáááá.
Vou
escovar os dentes, desanimado, frustrado pelo esforço em vão.
Os
rabos dos felinos costumam dizer muitas coisas. Se erguido, com pouco
movimento, significa que o gato está animado, quer atenção, brincar. Se
eriçado, o gato está com medo, assustado. Se balançar demais, rapidamente, ele
está incomodado, estressado. – Sai de perto de mim.
Estava
ereto, vagaroso. O reflexo do espelho denunciou.