I. Se ia, já foi.
Um romance ou novela. Era essa a criação almejada. Ao menos, escreveria.
Sem o ideal conhecimento da língua ou da técnica literária, até
dispensado, sem completo enredo ou grande ideia.
No quarto de seu apartamento. Bairro bastante arborizado, tranquilo.
II. Circunlóquios.
“Tocar na banda, pra ganha o quê?”.
Ouviu no seu toca cds. Buscava inspiração para o próximo parágrafo. É assim
mesmo, afinal, quando se muito quer algo: pumba.
Ele agiu. Já quatro parágrafos.
Gostava de metalinguagem.
Mania de explicação.
Pensava: "bem, tanta coisa há por aí ruim de ler, que seja, uma vez feito, feito estaria".
Argumentos, ah, argumentos. Mania de causídico de contencioso metido a escrever. E se escreve.
III. Papos e repapos.
Naquele tempo a liberdade da escrita o
seduzia. Via na escrita como o caminho de pedras lisas, mas firmes e não
escorregadias. Passagem para campo aberto, algumas árvores, água.
Gostava de Graciliano Ramos. Havia lido
quase todas suas obras. Por isso, escrevia algo que teria vivido e, quem
sabe, deixando dúvidas entre biografia e ficção, senão, não teria graça,
pensou.
No dia tal do mês certo do ano que se
findava, sentia o conflito entre o som da TV e de seu som portátil. Noite
de muito calor e pernilongos – morava perto de rio de águas percorridas a nado pelo avô.
Porque tinha sono e iria acordar cedo
para correr, largou a caneta que escrevinhava bonito, e foi dormir.
IV. Ela.
Não sabia o nome dela. Apenas que era jovem e tinha rosto bonito.
Norme. Pronto, esse era o nome dele. Ela, Espi. Espi, nome comum
em Sartosí, sua Terra.
Lia, lia muito o Norme. Desde que
pensou ler pouco, que isso não podia – “como assim?”, “estou lendo muito
pouco” – leu, leu. Bom. Achava, embora, ler, por
vezes, cansativo.
Norme, segunda-feira trabalharia. Sentia sono. Quando voltasse escreveria
com mais afinco.
V. Percepções, por que não?
Mas ainda não era segunda e sábado-brisa-agradável-de-verão. Na varanda, poltrona florida, escrevia.
Suculenta em
flor. Pela segunda vez florescia, em sete ou oito anos. A última havia
sido há uns cinco anos, talvez. São belas flores. Esperava lembrar-se
de vê-la todos os dias para contemplar a florescência.
Sábado, novamente, parado. Tivera
tantos na sua adolescência. Fins de semana melancólicos em que, ao menos,
muitas vezes se alegrava andando de bicicleta ou praticando esportes. À noite,
até. O esporte dá felicidade. Quase sempre. Deve matar de cansaço a tristeza.
Só de escrever, porém, começou a sentir
calor, ufa, era um verão quente.
Fome. Sentia fome. Pensou em
sair para comer algo. Lembrou-se daqueles fins de semana. Estava sem namorada.
Não tinha muitos amigos. Não lhe veio à mente onde ir. Continuava com fome.
“Ah, porém.” Lembrou de um trecho de uma música – “ah, porém, era ...” – nunca
lembrava o resto.
Havia decidido ir de bike até o
shopping. Poderia comer e talvez assistir um “movie”.
VI. Ilhado, pois algo sempre ocorre.
Alma de criança. Então escrevia
coisas de crianças. E tudo bem.
Estava andando pelo mundo, pois era o
que gostava de falar: vou pro mundo! Tchau! E saía de casa sem avisar para onde
ia. Por vezes, aliás, nem ele sabia ainda. Muito bem. Estava andando pela rua
quando foi subitamente envolto por uma sensação espessa de um ar denso, como
vapor muito quente, mas não era desagradável. Seu corpo perdeu os movimentos
por instantes os quais seriam segundos ou mais ou menos, não pode precisar. Sua
visão foi aos poucos turvando enquanto o mundo continuava seu fluxo, como se
fosse alheio a Nermo. Então pluff pluff, tudo apagou.
Voltou como foi, mas mais rápido, de
repente e sem prévio aviso. Viveu.
À frente o mar, em volta montanhas
cobertas de densa vegetação atlântica. Uma praia deserta, enfim. Aos seus pés,
um novo caderno, à sua mão, por acaso, duas canetas. Pronto. O convite à
literatura, o convite ao registro e ao imaginário do poeta, do escritor.
E foi o que ele fez. Escreveu: pois cá
estou, não sei como, porquê, onde, apenas estou e, por estilo, escrevo.
A ordem, a disciplina ou a posição já
desordenava e ele, livre, criava seu próprio caminho entre o mar e as árvores.
Por perto uma caverna, um riacho,
bananeiras, água de coco, mamão, mangueiras, uma clareira com registros
humanos: uma velha e abandonada construção de taipa e um pomar plantado com
abundância e variedade.
Conseguiu, além de tudo, pescar e
caçar. Reconstruiu como pode a velha construção e as noites fogueiras lua e o
constante som corajoso, novo, das ondas, sempre ondas.
Viveu, enfim. Escreveu, também.
VII. Sobre outra coisa.
Aquele
dia, dia de sol de inverno, mais ameno, doce, com uma brisa do Sul, resolveu
Nermo cavar ao entorno da construção. Cavou de um lado, de outro, fez vários
buracos que as chuvas e o tempo naturalmente iriam fechar – não eram tão
fundos. Procurava algo, quem sabe, enterrado por quem vivera por lá.
Achou. Achou um saco de folha de
bananeira incrivelmente bem trançado. Como eram muitas tranças, embora a muito
secas e quebradiças, ainda se percebia que era um saco trançado.
Que bom. Que achado. Há dias sem
avistar qualquer pessoa ou outros vestígios achara algo não só humano como,
provavelmente, de uma criança (Nermo adorava crianças).
Achou bolas de gude dentro do saco.
Pôs-se a jogar com todas as onze presentes desse, enfim, presente. Pluquiti,
plequiti, pu, no buraco. Lance certeiro, plequiti, mais uma.
Jogou outros dias. Bolinhas,
buraquinhos na areia dura, apreciando o mar. Como o mar estava bonito nos
primeiros dias vividos naquele lugar desconhecido, daquela forma inesperada.
Que teria acontecido? Onde Nermo estaria? Por quê? O que significava tudo
aquilo?
Sim, Nermo gostava de praia. Sim, Nermo
gostava de aventuras. Sim, Nermo pensava em uma experiência diferente do lugar
em que vivia, em que buscava seus objetivos, trabalhava, estudava, se
comunicava com a sociedade, com o que sabia do Mundo.
Sim.
Mas.
Mas esta história não é sobre um menino
que se perdeu no mato. Não. É sobre um garoto que, perdido sempre, onde quer
que seja, pois todos estão afinal, se encontrou.
Encontrou-se não como o sol toca a
montanha, mas como... ainda não. Ainda é cedo para dizer como se encontrou.
Primeiro pensemos como ele se achou perdido. Por primeiro, depois por seguinte,
seguinte seguiremos.
VIII. Metalinguagem.
E foi assim. Com a caneta preta
falhando. A caneta preta da sedução, tentação. Segurou-se. Pronto. A questão
não é o fantástico, mas, porém, a beleza das letras se desenhando na folha a
sua maneira, a sua metalinguagem e não há que se negar, que venha a
metalinguagem. Paciência.
Pois, Nermo, pensava no tempo, no
relógio, na formação das horas, no caminho dos ponteiros, dos segundos. Se com
diversos riscos, de um jeito, sem os riscos, de outro. Só os segundos correndo,
de um ainda outro.
O tempo passava de qualquer forma,
afinal, para ele. Ele, a questão, era que ele, nesses tempos, tentava prestar
atenção nessa passagem maluca – que é a do tempo. Essa passagem singular do
senhor tempo. Que mistério, pensou.
Era uma noite fresca, dir-se-ia até
fria. Sentia frio no pé. Pensou em por uma meia. Mesmo dentro de seu quarto
sentia frio. Era friorento. Foi por a meia e, porque já era tarde e no dia
seguinte deveria acordar cedinho, parou de escrever naquela noite e foi dormir.
Boa noite.
IX. Personagens.
Nermo, porém, tinha acesso a tantas
informações. Muitas. E, como diria um namorido de sua prima: tanto dura um dia,
tantas e quantas coisas podemos fazer nesse dia. Segundo ele: podemos fazer o
que quisermos.
Lucélia, Dindó e Krispí. Eis a companhia
de Nermo. Bem vindos, turma.
Lucélia, jovem. Dindó, mais velho.
Krispí, entre os dois.
Amigos de Nermo. Desde há muito. O
conhecem, o conservam, o guardam, o escutam.
Diga lá, Dindó.
Dindó disse: que zona de história hein,
Nermo. Você já perdeu o rumo faz tempo, meu caro.
Nermo: pois é. Já estou pensando em
algo como contos, como “Vidas Secas” do velho Graça. Que tal?
– Meu, pode ser. As ligações, veja lá,
você pode criar depois, de qualquer maneira, com criatividade. Muito bem. Boa
idéia.
– Sempre tenho boas idéias, haha.
– Sei.
– Krispí e Lucélia.
Lucélia: rock n’ Raul.
Krispí: quero continuar a ler.
– Bom, muito bom, meus amigos. Agradeço
pela força. E, Pí, melhor comentário que o seu impossível, hahaha.
– Eu sei! Continua, meu amigo, continua
que "te fa bene".
– Continuarei.
X. Positivo.
E, aquele dia, aqueles dias em que tudo
parecia errado, passou, passaram. Véspera de Carnaval, do fim de semana de
Carnaval. Sexta-feira, enfim. Que seja um belo dia! Será!
Bem melhor, hein, Seu Nermo?! Não é
mais fácil assim?! É! Negatividade pra quê?! Positividade, meu caro,
positividade!!
E, ele foi se trocar para depois tomar
café e, após, tomar o ônibus para trabalhar, laborar em São Paulo. Bora?
Sì.
XI. Chamado do papel.
Amanheceu
azul cedinho marinho ar. Silêncio do mato. Galo cantando. Mais um dia a ser
vivido, pois é. Bom dia, seu Galo. Bom dia, azul marinho. Bom dia Seu AR.
XII. Mais.
Acordou.
O dia. O Nermo. Sábado. Não trabalhava esse dia.
Dia
nublado em sua cidade de residência. Sim, pois a de trabalho era outra. Era a
que morava antes de mudar para a atual, Jardimverderelva.
Foi
tomar café.
XIII. Se vira.
Nermo
naquele dia gritava com o tempo. Ah, Seu Tempo danado, disse.
Trabalhava, viajava, dormia mal, penava por se acostumar à
Jardimverderelva e seu clima hostil aos seus padrões.
Nermo,
então, sofria. Queria mudar, mas não sabia, entretanto, exatamente (nem,
tampouco, vagamente), para onde e para fazer o que.
São muitos lugares que podemos ocupar.
Tantos. Tantos.
O que diria seu amigo, bom e velho
amigo, Dindó?
– Dindó, alô. Já olhando para o relógio
para ver quanto lhe restara de horário de almoço (não que ele costumeiramente
se ligasse em seguir rigorosamente o horário, mas, às vezes, seguia por um
tempo, para, também, não avacalhar).
– Alôôô, faaala Don Nermo, como vai?
Que conta, meu?
– Dindó, diga lá, quero mudar, mas não
sei para onde, nem quando, nem como, nem para fazer o que, nem etc. Capisce?
– Buono. Fogo, hien?!
– É.
– Se vira. Falô?
– Bom conselho, hein, meu.
– Gostou né?!
– Se virar.
– Se virar!!
– Pois quem fica parado é poste. Não é
o que dizem?!
– E uns chineses já também devem ter
dito que é caminhando que se acha o caminho. Certeza.
– Tá certo. Vou caminhar então.
– Isso.
– Tchau, loco Dindó.
– Até.
Nermo caminhou. Quem caminha ou com a
sua, tanto faz, enfim, bora nessa. :-I
XIV. Ler.
Sua amiga Lucélia (bela amiga, essa
Lulu) já dizia: as coisas ficam mais claras ao clarear do dia, viva até ele.
Grande Lu. Deve ter ouvido isso de algum autor desconhecido. Mais um provérbio
chinês, haha. Chineses, seus Chineses.
E ficam mesmo. Bom dia, Dia.
Era manhã. Era mais um dia na vida do
pequeno (como todos somos nesse mundão) Nermo.
Foi tomar café da manhã. Já era hora.
Iria comer melão, pão com requeijão e um pedaço de bolo. E foi. Até o próximo
parágrafo, meu caro.
Veja que nesse lenga lenga já se
riscaram quase full 12 páginas.
Ah, pensava Nermo, escrever podia ser
isso também, sentar e abrir a mente no papel. A coisa fluía com certa
facilidade para ele. Pobre Nermo. Alguém agüentaria chegar até a próxima
palavra nessa confusão de acontecimentos, metalinguagem – zona?!
Nermo, porém, não ligava. Escrevia,
sobretudo, para ele mesmo. Ele agüentava reler. E pronto, bastava. Go Nermo, Go
Nermo. –i– grrrrr
– I GO zzzzzz
(aliás, ele já tinha lido tanta
porcaria até o fim, na esperança de aproveitar algo – como é a vida – por que
outros não poderiam fazer o mesmo?!)
XV. Manhã.
Escrever. Escrever era importante para
Nermo. Necessidade. Visceral.
E naquele instante, então, ele estava
novamente em sua escrivaninha. Ouvia música e os sons da manhã: pássaros, o
distante som de veículos, o amanhecer.
O céu, pelo menos o pedaço que via de
sua janela, ainda por entre folhas de uma palmeira, estava com tantos
fragmentos de nuvens bastantes para ainda mais embelezá-lo. Era azul bem claro
e alaranjado no topo do morro. O laranja ia para lilás nas porções um pouco
mais acima das árvores da montanha. Ah, o sol naquele dia nascia das árvores do
cerro.
Nermo, assim, gostou de acordar nesse
lugar e de escrever um pouco esse acordar. Havia escrito, afinal. Isso também
outra coisa que gostou. Simples. Profundo. Nermo. Único. Palavras. Às vezes,
era o que ele conseguia escrever. Palavras soltas. Que também marcam o papel e
naturalmente registram, absorvem, transmitem informações e sentimentos – tranqüilizou-se
o bom Nermo que neste momento vamos conhecendo. Sempre.
Foi tomar café. Já era hora. Foi.
XVI. Raul.
Umas músicas antigas do Raul Seixas, o rosto molhado, a vista do verde, morro,
pela janela. A caneta, o caderno a tremer. Daqueles momentos, enfim.
O espaço relativo entre as pessoas. A
liberdade duvidosa do dia. As letras, as músicas surpreendentes. O torpor do
momento. A vida cor-de-rosa. As dificuldades e as pausas. Os momentos felizes.
A busca de um caminho.
Nermo, no mais, passou a somente isso:
sem referências, regras, continuidade. Um livro? Estava mais para o que sempre
fizera, mantinha o espaço, a lousa branca, só. E, continuava, ele, maravilhado
com os traços novos de tinta. Sempre surpresas instantâneas. Como gostava.
Dia ensolarado. “Eu sou a mosca que
pintou para lhe abusar.” “Do seu quarto a zumbizar.”
Ótimo, pensou.
E, naquele dia, a tinta nem tanto
fluía. Resolveu, então, parar. Como a Terra.
“Sabia que o patrão também não tava
lá.” Dá-lhe Raul! Toca Rauuul uuuu.
XVII. Lero-lero.
Em quanto tempo se conta uma história?
Horas? Dias? Meses? Anos?
O que é uma história? Acontecimentos?
Personagens? Suspense? Aventura? Reviravoltas?
Só sei que essa história é lenta. Não
tem pressa. Nas pautas, nas linhas, vagarosamente ela se arrasta. De vez em
quando.
Dias ou outros, eis seu
narrador-personagem de volta a tecer descrições, novos personagens, bagunçar,
historiar. E, quem sabe, ao final dessas páginas, uma história surgirá. Quem
sabe? Ele não sabe. Não, não. Mas, escreve. Hoje, ontem e amanhã pretende,
pretendeu, escrevinhar. Escrevinhou. Linhas preencheu. Idéias no papel branco
com pautas registrou. Assim é, sempre foi assim, assim será.
Dia de sol, domingo de Páscoa. Nermo
estava bem. Boa saúde, tranqüilo com a vida. Apreciando a vista da janela. Ah,
e que vista. Um lindo céu azul em contraste com as árvores verdinhas cravadas
no alto do morro. Algumas casas e um som forte, constante de cigarras. Muitas
cigarras.
Ele já havia comido muito chocolate,
mesmo antes do domingo. Quando era pequeno tinha que esperar para ganhar ovos
de chocolate. Crescido, não mais.
Ainda ia para o almoço com a sua
família e a família da prima, a Gertrudis. Gostava da Gertrudis. A família dela
era bacana também.
Era isso. Promessa de um belo domingo
de Páscoa. Mais um. Seu vigésimo sétimo, por certo.
Não estava com muita inspiração, ânimo,
disposição para escrever, é verdade.
Foi.
XVIII. Rodoviária.
Jardimverderelva, 1º de abril de 2013.
Manhã de outono, segunda-feira.
Perdi vários ônibus. Não marquei o
lugar com antecedência. Eis que tenho alguns minutos justificáveis para
escrever ao sol matutino. Ouvir os pássaros, ver a libélula dando pequenos
sobrevôos na lâmina da piscina e de vez em quando, tocando-a.
Sentar na beira da mureta gelada de
tijolos e absorver o ar da manhã. Muito bom.
São 7:35. Hora boa. O sol já é soberano
há mais ou menos uma hora e meia. O dia se inicia calmamente para muitos. Para
outros, há muito já se iniciou, rapidamente.
Para mim, caminha sem pressa. Por mais
preocupado que eu talvez esteja (um pouco), não ligo. Dou-me o luxo de vê-lo
passar. Em seu ritmo. Não depressa ou devagar. Não. Mas, em seu ritmo. No ritmo
do tempo. Que é único. Que é como é e pronto.
Como essa história. Essa história, Nermo
acabava de pensar, solitária. Se solitária, mais devagar, vagarosa, monótona?
Solitária. “Sui generis”. Pensou. E, achou melhor essa última definição. “Sui
generis”. Como o tempo, como seu ritmo, particular, única. E pronto. Afinal,
todas as histórias, tudo, é único, são únicas. E o contraste comanda a
humanidade.
Nermo gostava da idéia do contraste. Já
havia escrito sobre ele. Contraste aquilo, contraste aquilo outro. Coca-cola
isso, parede verde isto. Coca-cola na parede verde. Sementes de girassol. Um
grande exemplo de contraste, achava.
As primaveras, a branca e a vermelha,
de sua “home sweet home” estavam lindas. Mais a branca do que a vermelha.
Cachos e mais cachos pendentes de pequenas e firmes flores brancas. (Ia
escrever florzinhas, mas a primavera não era bem uma florzinha – muitas eram
bem menores, como o jasmim.)
E era isso. Logo deveria se encaminhar
para a rodoviária. Tentaria pegar o das 8:30. Se não conseguisse, leria o livro
do “Sarry Throter”. O primeiro, pois lera do quarto ao sétimo recentemente e
quis ler os três primeiros (de novo). Achava a C. F. Bowling ótima. Foi.
Foi se preparar para o caminho da rodo.
Rodo, rodo, rodo.
XIX. A carta.
Naquele dia, pela tarde, bem
tardizinha, Nermo recebeu uma carta.
Estava em seu jardim, abriu a casinha
das cartas e lá estava ela.
Era simples. Fina. Destinatário,
endereço. Não havia remetente.
Abriu. Uma página, apenas. Dizia, em
letras de forma bem escritas: pergunte. Só isso.
Nermo acreditava. “Quem é você?”,
escreveu. Fechou o envelope. Fechou a portinha. Foi-se.
No dia seguinte, logo quando acordou, o
envelope estava sob a mesa.
Quem, como o teriam colocado ali? Não
foi em busca dessa resposta. Estava interessado em uma e só uma.
Abriu o envelope. A mesma folha.
Com sua pergunta escrita e, opa, uma resposta. Oito palavras. “Sou Neroy.
Aquele que responderá suas perguntas.”
XX. Perguntar.
Neroy. Perguntas. Que perguntas? Nermo
tinha lá perguntas? Tudo ia. Seu trabalho, sua vida pessoal, o mundo. O mundo
ia.
Claro que Nermo tinha perguntas. Ah,
quantas ele tinha. Poderia passar o resto de sua vida fazendo perguntas.
Nermo, enfim, achou a oportunidade
sensacional e logo escreveu sua primeira pergunta naquele papel misterioso:
Neroy, quem sou eu? Dobrou a folha, depositou-a dentro do envelope e este foi
para a caixinha. Foi trabalhar, já era hora de iniciar sua labuta diária.
XXI. Você é.
Já era tarde, frio e Nermo estava
cansado. Mas, mesmo que por um breve momento, mesmo que incompleta, foi em
busca da resposta a sua pergunta.
Havia dias sem qualquer sinal de
qualquer envelope ou outro meio de comunicação de Neroy.
Teria imaginado? Não. Queria respostas.
E quando queremos muito algo, ah, algo mágico tende a acontecer.
A resposta veio. O envelope apareceu ao
alcance de suas mãos, sem explicação, na estante de seu quarto.
“Olá, novamente.” Dizia a carta.
“Sua resposta, por certo aguardada,
agora se materializa. Você, Nermo, é aquilo, é isso, é somente o que é. Sem
mistérios, sem complicações. Você é. Você é o Nermo. Único.”
“Na sua vida há, além disso, formas
perceptíveis da própria existência, seja física, seja espiritual.”
“Sinta os sentidos (os cinco) e suas
percepções próprias.”
“Seus gostos. Não gosto daquela fruta,
gosto daquela árvore.”
“Se aquiete, acalme-se e sinta sua
mente. Estás vivendo. Além dos seus sentidos existe o Nermo. És espírito.
Passageiro do corpo. Mente sã, corpo são.”
“Você é isso. Tudo isso e só isso. Em
relação, em primeiro lugar, a você. Em último, a você também.”
“Você é você, Nermo. Pronto. Vá dormir,
agora. Vejo que está bastante cansado.”
XXII. Trabalho.
Nermo gostou da resposta. Na verdade,
já pensava ser único e espírito pela meditação. Mas, ficou feliz pela
confirmação de seus pensamentos.
Ele queria mais, porém. Não via a hora
de nova oportunidade para perguntar.
Ela veio. Em uma véspera de feriado,
menos cansado (como a mente é persuasiva), viu um envelope amarelo em sua mesa.
“Como Maomé não foi à montanha, a
montanha veio a Maomé. Escreva sua pergunta abaixo.”
Escreveu. “Neroy, desculpe, as semanas
têm sido corridas, sá comé, né?! De toda sorte: como encontrar um trabalho ao
mesmo tempo prazeroso e de suficiente produção de riqueza individual?”
“A arte e a religião são alavancas de
propulsão. O resto depende de nós. Impor limites, organizar o posto de
trabalho.”
“Continuamos em outro dia. Vejo que
está que não se aguenta de cansaço (que sempre vem).”
XXIII. Pensar horizontalmente.
“Nermo, meu caro.” Continuava a
mensagem. “O trabalho que vivemos nem sempre nos apetece por uma razão muito simples
e básica que, porém, nos é tão difícil notar: o nosso labor diário não é e nem
será (nada é) definitivo. Nisso reside o nosso lamento: no agora, no sentir
limitado, na ausência da visão horizontal. Não. Mude. Reflita. Aja. Busque, não
lamente. O trabalho que desempenhamos só reflete um pequeno trajeto de nossas
vidas, não nos deve significar permanência, resignação, desesperança.”
“Então, Nermo, reflita sob o aspecto
apresentado. Ele trará a resposta a sua pergunta.”
Era essa a mensagem.
Novamente cansado, pois já era tarde e
o feriado havia acabado, ele foi descansar. Acordaria bem cedo para trabalhar.
Não no trabalho que considerava ideal para a sua vida, pensou. Mas, refletiu,
no que lhe proporcionaria continuidade, lhe revestiria de recursos (como a
autodeterminação) para a sua busca.
Pensou, Nermo, horizontalmente.
XXIV. A ordem das letras se distrai, a palavra se satisfaz.
Manhã zinha de inverno. Sem
cartas/mensagens para o nosso herói.
Que belo contraste ele via pela sua
janela. Silhueta da montanha com o raiar do dia. Árvores, construções, algumas
luzes ainda contrastando, negras e amarelinhas, com o amarelo desbotado que ia
se azulando ao que o céu subia subia. E se se olhasse mais lá no alto: a lua
crescente.
Que belo o comecinho do dia. Friozinho
de Jardimverderelva, ah, sim. Havia pedalado ontem e sentira o frio da cidade.
Noite fria. Fria para dormir e para acordar. Mole não.
Estava contente, Seu Nermo. Havia
começado a publicar textos de sua autoria em rede eletrônica, a chamada
internet.
Ele sabia que podia, por certo,
melhorar, estudar muito mais ainda, mas tinha consciência que possuía certa
inspiração e correção e estilo e técnica de escrita. Afinal, como dizem, filho
de peixe peixinho é. Além disso, andava lendo e já lera muito. Gostava muito de
ler. Ultimamente, lia quase tudo que aparecia na sua frente.
Por aquela hora bastava. Nermo
precisava morder algo para, mais tranqüilo, ler no caminho para o trabalho.
Contavam com ele hoje.
Estava lendo a Regra, de São Bento.
Estava gostando. Nermo ou Norme, como for, rs. A ordem das letras se distrai, a
palavra se satisfaz.
Bom dia, Sartosí.
XXV. Começo, meio e fim.
Norme acordara. Seja em 3ª pessoa ou em
1ª, não lembrava mais. Retomar o nexo, a coesão, o ritmo, pensou. Afinal, sua
história agora estava sendo lida. “Uou. É mesmo.” “What a fuck.” Norme ou Nermo
(Norme é melhor), vamos caprichar, então. Ritmar. Em ritmo, sim senhor.
– Bom dia, Norme.
– Quem? Ah?
– Sou eu.
– Eu? Neroy?
– Está pensando em mais alguém?
– Vou contar uma história. Sente-se e
não se preocupe com o tempo. Apenas contemple a lua que vê pela janela e
continue prestando atenção na minha voz e no canto do quero-quero que perambula
no terreno ao lado. Às vezes, não devemos nos preocupar com explicações (muitas
vezes), mas apenas ouvir, aprender, conhecer a voz que nos procura. Ok? Ok.
“Um senhor de aproximadamente 80 anos
estava sentado no banco de uma pequena praça que ficava dentro de um parque. A
praça era arborizada, fluía um pequeno córrego limpo e bem próximo dela. Um
bambuzal fornecia sombra.
Roque, um jovem de uns 20 anos, viu
esse senhor em um de seus passeios solitários matinais (de Roque e do senhor).
O senhor escrevia em um pequeno caderno. Escrevia em japonês.
Que interessante, também estou com um
caderno e poderia me sentar no banco ao lado, escrever e, assim, identificações
começam e puxo papo com o senhor oriental, pensou Roque.
Não. Sim, sentou, começou Roque a
escrever, porém não houve as esperadas identificações, a esperada oportunidade
de Roque puxar papo. Momentos depois de sentar o senhor levantou-se e foi
embora.
Nunca mais Roque viu esse senhor.”
– Veja, Norme, o dia já vem raiando.
Veja que bonito o contorno do sol da manhã nas nuvens sobre a montanha.
– Estou vendo. E a história? Já acabou?
XXVI. Atropela menos.
Outro dia. Outra manhã. Outro Norme. A
história, da mesma forma, era diferente.
Mudamos de percepções a cada instante.
Sobre nós mesmos e todas as interações que estamos sujeitos na vida. Que
beleza. Que bom.
Por isso, esta história, escrita em
pedaços não lineares e pelo tempo afora, muda (e como).
Tento manter certa ligação entre seu
começo, meio e (espero) fim, mas o tempo anda tão depressa. A vida nos remete a
uma infinidade de atividades que acabamos priorizando umas em lugar das outras
e atropelamentos acontecem. Como este. Fui, preciso pegar a condução para o
trabalho.
XXVII. Dois minutos.
Então, paciência, dizem os mais velhos.
Quanta? Quanto tempo deve o jovem poeta
esperar? Mais de dois minutos? Pois, é o que tenho (tinha) agora (há um momento
atrás).
Não.
Impaciência deve imperar.
Ousadia.
Comichão.
A paciência nos segue nesse processo.
Só isso.
Terminando, terminando. Ah, é tempo
demais. Pergunte ao jogador de basquete quanto vale dois minutos.
Acabou. Uma hora, claro, acaba. Até lá,
catapéin.
XXVIII. De qualquer forma, é.
Capítulo vinte e oito. De vinte e oito,
até agora, trechos de uma história. Uma narrativa que ainda espera por mais
fidelidade, mas, no caminho, vai se transformando e de alguma forma é.
Norme, um nome com um “y” no meio. Algo
simples, pobre, porém, com algo no meio, com algo. Essa é a tentativa, a
criação, a fusão entre vontade e prática. Um “r” no meio.
Três parágrafos de palavras, frases e
ideias que percorrem, graças à Parker 51, as linhas de um caderno em branco.
Pelas experiências de um homem e seu anseio de escrever. Escrever um texto
longo. Com mistura de ficção e realidade, de prosa e (não seria tarde para
começar) poesia, de personagens e lugares. Em ritmo, depois, a chamou. A
história, enfim, segue seu rumo, seu destino.
Esses dias ele levou de um encontro de
amigos um livro sobre ficção. Quem sabe esta narração ganhará mais qualidade?!
Por enquanto, nesses cinco parágrafos
escritos como escritos, são eles que temos. Que bom. Como dizem, aliás
(provavelmente algum outro chinês), é caminhando que se encontra o caminho.
Caminha ou com a sua maneira. Fui. Até o próximo momento nosso.
XXIX. Com a vida.
E Nermo? Nermo não tem ansiedade. Para
quê? Sua história corre como a vida, com a vida, pronto.
Assim, Nermo deseja boa noite a você,
leitor noturno, enquanto folheia (quem sabe um dia) ou rola o mouse ou clica a
tecla ou deda a tela, tanto faz, embora ele ainda preferisse mesmo o papel.
Nosso personagem não escreve todos os
dias, mas lê, há muito tempo, quase diuturnamente. Espera inspirar certas
ideias além de pó de certos alfarrábios ou aproveitar a experiência calma de
frases amontoadas em páginas de pessoas com pressa.
E por aí vai e por aí foi e por aqui
chegamos. Ora, pois. No encantador mundo da tinta desenhista ele encontra seu
prazer, sua paz, sua ambição. Até hoje.
Não se importa muito com a forma, que é
sempre transformável, como ora se transforma, deforma e, não menos ou mais,
forma.
Suas palavras ardem em seu papel.
Deles, dele.
Coragem. Ação. Faça, depois conte que
fez.
Que seja. Refaça.
Enfim, lembrando do grande Raulzito:
“tente outra vez.”
De vez em vez ele volta, voltamos,
criamos, escrevemos e que bom. Ele, eu. O personagem, sua atuação e seu
ventríloquo.
Siga em frente, Nermo.
Da próxima, até, quem sabe, boto você
para trabalhar. Escrever um pouco, correr, estudar, dar aulas, ler processos,
falar com o juiz. Quem sabe.
Até mais ver, meu caro. Agora durmo,
porque não sou de tinta. Não essa tinta, pelo menos. Não grudo ou firmo no
papel. Escorro por entre as linhas, transponho os limites do caderno, pulo da
mesa e corro para o quintal. Subo o morro, olho as estrelas e imagino e realizo
meus sonhos. Por isso, preciso dormir um pouco. Registro “Nermo” nas pautas,
guardo a caneta, fecho o caderno e durmo com os anjinhos. Graças a Deus. Fui.
Boa noite, leitor querido. Vá dormir também, vá. Tchau.
XXX. Nermo.
Ei-la, a caneta tinteiro. Se não usada
com freqüência ela seca rapidamente. A esferográfica já dura mais e a um
simples risc risc ela pega. A velha tinteiro demanda um nhec nhec de desentupir
e recarregar a tinta (que precisa estar à mão).
Nermo também é assim. Sem visitas,
sozinho, fica triste e precisa ser reanimado. Quase uma ressurreição.
Eis Nermo, de volta. Em uma manhã de
primavera. Silêncio no bosque e friozinho de mato. Sol nascendo e nuvens já
levemente douradas ao céu azul da manhã.
Novidade. Nermo se inscreveu em um
curso de contos. Uff, agora vai. Será?! Vamos torcer. Quem sabe ele não aprende
umas boas técnicas e dá fôlego à história que ele pretende criar, não é?
O curso será com um ilustre (ao menos,
para ele) escritor: o neto de Graciliano Ramos, o escrevinhador infanto-juvenil
(que também vem se embrenhando no ramo adulto) Ricardo Ramos Filho.
Ele não vê a hora de participar do
curso. Isso aí, Nermo. Bravo. Nos vemos por aqui. Aquele abraço. Fui.
XXXI. Sujeito na feira.
O personagem limpou a caneta entupida
(já não mais) e principiou a escrever. Era noite e ouvia um disco de vinil de
antigas canções de ninar. Ao mesmo tempo, pensava na criação de um personagem
complexo e na dificuldade da empreitada. Ponderava que a razão nascia da pouca
complexidade de sua vida, de suas relações. Ou da sua curta história (era jovem
nosso personagem). Complexidade, pois ouvira esses dias que a prosa literária
deveria ter personagens complexos, misteriosos, profundos. Sabe lá. A segurança
na escrita, realmente, não é algo instantâneo, originário. Há que suar.
O personagem, entretanto, tinha um
amigo, um ambiente e um acontecimento.
Aquele gostara das novidades
tecnológicas e tinha enorme paciência para decifrar os caminhos dos jogos e
programas dos mais novos computadores e vídeos-game. Conseguia. E se divertia
com isso. Também era amistoso com as pessoas e adorava o ar fresco. Era um cara
legal.
Ele mesmo, para aqueles que gostam do
sentido da visão, passava a máquina naqueles cabelos que crescem na nuca e
bagunçam a estima do penteado curto e comportado. Fazia isso em seus
dormitórios (foram vários) sempre organizados, limpos e enfeitados com
artesanatos manuais dele próprio. O sujeito era prendado.
Em um lugar de encontros persistentes
de tolerâncias passageiras ele acreditava no amor de uma mulher.
Mulher de encantos abstratos e
personificados nas veleidades do nosso complexo personagem. Companheira de
complexidades particulares cercadas de novidades sortidas.
Juntos. Aquele e aquela. No topo de um
universo em infinita mutação, com planícies enjoativas, serras emocionantes e
cidades-labirinto.
Onde moravam, terça-feira tinha feira.
Legumes, frutas, cereais e tudo o mais. Ela gostava de começar pelas frutas,
ele pelas hortaliças. Depois de um pepino e uma bela manga iam para a barraca
de caldo de cana. Dilicia. Isso se fosse um dia normal.
Feira não tem facilidades. Inícios e
fim se confundem e nos perdemos entre a melancia e o almeirão. Ele disse que
iria chover, que hoje não iam para a feira. Início de madrugada, porém, não tem
volta e os feirantes andam nas vassouras das bruxas mais bravas. Ela, sem bolas
dar, disse que sim, feira com certeza faria.
Horas voam, vento sopra, ar e mais ar.
Lá estavam nossos queridos na feira. Ele com o alface, ela com o caju.
Mas, o fenômeno meteorológico não
engana, nesse dia, poucas horas de feira e a chuva caiu. Melhor, desabou. Não.
Não a água que imunda seu cérebro. O conflito dele com ela e a feira de sua
vida. Choveu. A feira fechou antes de abrir. Portas desceram da vizinhança e
abriram na estrada. Viajou. Conheceu (tinha que conhecer) outras feiras e não
mais voltou.
Sujeito é sujeito na feira. Feiras são
tantas, encontramos por aí outras couves e feijoadas esperam para ser
preparadas por um amigo, em um ambiente e em um acontecimento. Não se esqueça
de mexer bem e botar os litros de água disponíveis. Dilicia.
XXXII. Enredo, plano.
Naqueles dias, Nermo já sentia comichão
nos neurônios. Trabalhava para uma continuidade e pê pé pê parou. Cansei desse
cara narrando o que faço e etc. Cá estou e não preciso mais dele. Assumo a
minha história. Em primeira pessoa, eu, a primeira e única.
Bem, ele está certo, contudo. Andei
pensando e decidi traçar um plano, um enredo, senão isso não vai acabar. Vamos
até o capítulo XLV. Escreverei dois capítulos por semana, no mínimo. Traçarei a
trama, os personagens, o início, o meio (clímax) e o fim. Pronto. A história
nascerá finalmente.
11 anos, cinco meses e outros dias.
(Eis o título.)
XXXIII. Registrar.
Filmes, desenhos, livros, pessoas são
nossas influências. Achamos certos aspectos interessantes e nos arriscamos a
imitá-los. Dá certo. Talvez não logo.
Demorei bons anos para firmar meu
desejo. Tentava daqui, dali e não conseguia a continuidade necessária. Vi mais
pessoas que administravam a arte e tentei novamente. Ajusta, puxa, muda, rasga,
pensa. Consegui. Já há onze anos, quatro meses e uns dias.
No começo fui tímido. Cheio de pudores,
receios e, em verdade, poucas experimentações. Também tinham as regras várias
(hoje só há uma) e o medo de ser descoberto (não muito, que lembre).
A coisa foi indo e, mesmo hoje, não há
uma só razão clara e inequívoca para justificar a empresa. Queria registrar,
porque já gostava de colecionar. Admitia sentido na vida quando traçava
objetivos colecionáveis. Sou um ávido colecionador. Latinhas, chaveiros,
moedas, gibis, coleções de bancas de jornal, figurinhas, tampinhas de garrafa,
cartões de visita, CD’s, livros, notas de dinheiro, broches, surpresas de
Kinder Ovo, bonequinhos de guerra, medalhas de corridas de rua, tanto já
colecionei e ainda coleciono.
Também comecei para compartilhar comigo
e com os outros. Mais: como autoterapia. Mas, creio que o grande motriz foi
mesmo a vontade de gravar meu nome na Terra. Oi, oi olha eu aqui. Vaidade.
XXXIV. Desenhos-histórias.
Lugares especiais foram escolhidos para
esse começo. Afinal, tinha consciência do desafio. Não era a primeira
tentativa. Sentia, porém, que era a hora.
Tinha lá meus 17 anos e um milhão de
expectativas, emoções, histórias e dias de vida (muito mais que isso).
Sempre fora meio introspectivo. Gostava
de ler, fazer meus desenhos-histórias num canto e, freqüentemente, me via
distante do convívio social. Nunca havia sentido muito traquejo. Queria, mas
não fazia parte de uma turma. Tinha cá e lá um amigo ou outro. A empresa,
então, calhava. Solidão, tempo para traçar desenhos abstratos, concretos ou
seja lá o que fosse diante de mim.
Foi assim que comecei.
XXXV. Início.
Frases em segura-cordões de saquinhos
de chá. Cola, cola, cola. Outras frases. Pouca conversa. Receios. Pudor.
Irregularidade. Amizade em construção. Testa, testa, curte, não curte, muda,
erra, acerta, descobre. Sentido. Utilidade. Todas essas questões e vivências
marcaram os primeiros 7 anos.
O primeiro ano foi muito importante.
Foi firme. Marcou território para a escassez que vinha a frente. Foi um farol,
uma pedra fundamental com função de base sustentadora. Precisava ser.
Passos simples, mas, uff, muito
significativos. Época, diga-se, tensa e esperançosa. Boas mudanças que
ocorreram logo e determinaram a profundidade necessária para a empreitada que
até hoje se estende. Interesse em sua procura para apoio consciente e mutável
na vida.
Claro, tudo isso nasceu no caminho. Nas
necessidades, nas superações, na vontade, no gosto pelo projeto que crescia.
XXXVI. Baixa produção.
Como toda grande jornada (e isso não é
clichê), tive anos de pouca massa.
O determinante, creio com convicção,
foram as suspensões (“sursis”) e ocupações decorrentes de grandes mudanças.
Que bom. Mesmo assim a empresa deu
certo. Uma companhia que cumpre seu papel até pela baixa produção.
Com a firma (como sempre foi e será)
minha vida continuou seu curso. Como dizem: 'depois da tempestade sempre vem a
bonança'. Sim, veio. Anos de muita fartura, confiança, alegrias e otimismo.
Viagem – vivência muito importante para os próximos anos. Trabalho relevante e
gostoso. Pessoas influentes e marcantes.
XXXVII. Ler.
Interesses compartilhados.
Experiências. São as fontes de muita leitura. Leio o livro que me conta.
Conheço mais disso ou daquilo. As vivências fascinam tanto. Minha percepção
sobre o filme do momento, o livro famoso e a bebida exótica interessam a você.
Conta-me, caro, como é? Ora, experimente. Não. Diga-me se gostou. Gostaria de
saber sua opinião antes.
Interessante. Emocionante. Chocante.
Ante. Adoramos histórias. Contar. Recontar. Ouvir de novo e de novo.
Por quê? Pois, somos curiosos. Mais:
sentimos que crescemos, nos alimentamos com palavras. Hum, que delícia de
‘reinava’. Sabor único esse ‘princípio’. Hoje devorei ‘pendia’. Ah, belo
‘topo’.
Mente farta agrupa, organiza e emprega
sentidos. Lemos, ouvimos, somados, criamos. Simples. Natural. Tudo bem
programado para funcionar queiramos ou não. Sabemos, aliás, que funciona. Bem
procuramos a leitura.
Leia, caro.
XXXVIII. Mistura.
Bem, fui buscar um pouco de palavras
direto da fonte. Os anos transcorrem rapidamente e achamos que continuamos com
boa lembrança de tudo. Errado. Tanto, tanto passado e, felizmente, registrado.
Isso, aliás, que se registre pela grande importância que traz: quando
registramos, registramos. Simples: organizamos espaço para certas forças
benignas ao nosso caminhar. E isso é ótimo. Registre você também.
Háh, mas como a vida não são só flores,
pagamos o preço pela imortalidade. Já no começo decidi pela inscrição de
momentos não tão leves. Pensamentos, sentimentos até hoje dolorosos.
Revisitá-los não é mole. Contudo, não há como ser diferente. Eis uma imutável:
nada é 100%. Sempre algo positivo e algo negativo. É só lembrar do ímã: pólo
negativo com negativo ou positivo com positivo na na naum. Mistura, sempre a
mistura. O registro sobrevive, no entanto. Graças a Deus.
XXXIX. Mais metalinguagem.
Fazer capítulos com prazo determinado.
Corre, corre criatividade. Senta, busca, escreve.
Enredo, mudanças no caminho, inclusões.
Muda, muda.
O resultado final ainda sofre
alterações e a coisa um dia termina (tomara).
Enfim, até aqui pode-se concluir em
parte: momentos necessários para a base de outros (creio) mais interessantes.
Experiências, sedimentação, estrutura.
Os próximos anos prometiam melhoras.
Mais maturidade. E foram bons. Next.
XL. Dona Escrita.
Escrever exige. Pede tantas coisas:
caneta, papel ou energia elétrica, teclado, tela ou giz, lousa ou lápis,
parede, mesa ou agulha, pele (ai) ou diversos outros meios. E, um intento, uma
motivação. E, de preferência, o estático.
Depois de certo tempo, porém, a gente,
senão o jeito, pega algum parente legal dele. Cria hábitos, gostos, segurança e
as palavras fluem. Achava que elas vinham de repente, mas escritor de muitas
letras advertiu que não: vêm porque às buscamos – com insistência.
Essa tal inspiração, afinal, como o
físico Einstein já afirmou, seria então tão pouco diante dos 99% de
transpiração. Concordo, hoje. Quanto já suei (literalmente) para expor idéias
no papel ou na máquina.
Lembro de uma semana no escritório com
o ar-condicionado sem funcionar. Por coincidência (ou não), foi a semana mais
quente do ano. Tipo: insuportável. Suei, ah, suei. De colar a camisa na cadeira
(risos).
Novos espaços, novas preocupações
estéticas e criativas. A escrita evoluiu.
Como buscamos tudo o tempo todo (sim,
senhor) – dá-lhe ansiedade humana – senti necessidade de espaços portáteis. Bem
retrata o caderninho que trago e deito as presentes letras unidas, que irão
para o teclado, para a tela, e outra e outra, “ad aeternum”. Que bom. Evolua
mais, dona Escrita, sempre. Continue a difundir, “ad infinitum”, pensamentos,
realidades, amores, arte.
XLI. Sons.
Em tempo, mais um capítulo em curto
tempo. Preciso logo dormir, mas, a contento, durante uma corridinha no
crepúsculo, certos “empos”, “entos” e “tentos”, entre outros, vieram tão
atentos que não posso facilmente libertar-me do fomento.
Comento, assim, os incrementos
recentes. Mais conteúdo, regularidade, seriedade e razão nos tantos vários
momentos.
Enfim, valeu o intento que, na verdade,
lembro agora, não era bem esse e, antes que tudo vire um excremento ainda
maior, vou dormir.
Obrigado, de qualquer forma, por seu
movimento ocular e agora também vá vá, pois meu sono não aumento. Sabe lá o que
dele faço perante o auto-orçamento. Fui.
XLII. Blank.
Página em branco. Inteirinha. À espera
do sabor-ser amargo da tinta.
Nermo, eu, enfim mudamos. Já há quase
um mês que não tenho a vista do morro encantado e o canto regular matinal do
joão-de-barro. Há, sim, outra vista, outros cantos de outros passarinhos, como
foram os anos de que aqui vai se encerrando essa canção. I, II, III, até XI
anos, cinco meses e já treze dias. Ou doze. Por aí.
Da empresa não tenho muito que dizer.
São palavras, desenhos, colagens e folhas entre páginas. Esperanças,
lembranças, andanças, mulheres, desabafos, poesias, sóis, rabiscos, caras,
listas. E como gostamos de listas, bem disse e observou e demonstrou Umberto
Eco, no Confissões de um jovem romancista. E como a Parker 51, do vô Remo é
gostosa. Que beleza.
Leite, cereal, banana, granola, água,
ameixa, beijo, escova de dente, pasta de dente. Quanta coisa na boca pela
manhã. Durante o dia, mais.
XLIII. A Parker 51, novamente.
Capítulo quarenta e três. Faltam esse
mais dois. Até lá, divirto-me com o traçado maneiro da caneta tinteiro. Sua
escrita é, quando se pega a prática, mesmo mais fácil e gostosa do que a
esferográfica – acredite se quiser.
Em respeito aos outros quarenta e dois
capítulos, se é que merecem, continuo a discorrer (e correr) com mais essa
história.
2008, 2009, 2010, 2011, 2012, ufa, 2013
e, hoje, desde o Dia da Confraternização dos Povos, 2014. Digo que nem preciso
sorver da fonte dessa vez (para não dizer que estou com preguiça e não agüento
mais essa tal de “Em ritmo” na minha frente, que de ritmo não tem nada ou, se
tem, é tão particular que até José Saramago e seus eternos parágrafos
franziriam a pele da testa), pois frescos são todos esses anos.
Por coincidência, ou não, levaram-me à
cadeira na qual agora sento e como uma sopa quente de legumes em pleno verão de
30 graus para cima, em alta noite. Ainda não toquei na sopa, porém. As palavras
estão a fluir così bene que fluem, e o calor realmente é tantis que gotas vão
pelas têmporas apenas pelo rápido movimento da ponta de ouro da velha,
eficiente e calorosa Parker 51.
Por agora é só. Ai, ai, que venha a
sopa.
LXIV. Quase lá.
Mesa da sala montada e posicionada em
lugar ora propício. Taça de bom vinho à mão. Claro, caneta tinteiro, caderno da
‘Em ritmo’ e eu, minhas idéias, minhas buscas e o movimento langoroso da ponta
da Parker 51.
Penúltimo capítulo. Nos finalmentes,
prefiro dizer pouco. Se havia alguma charada (assim pensei), já não deve mais
quase existir. No próximo vem a palavra. Nessa noite, ao inverso, noitário.
Espaços tantos que esse e aquele há
anos esperando a aposentadoria na estante, no baú, na gaveta, na caixa.
Extremidades e limites diferentes. Cores, maciez, amizade, mãos e maneiras de
inscrições. Comprados, ganhados. Queridos. Guardados. Amados.
Finalizo, por horas tantas, como as que
os tive e espero continuar compartilhando: e você aí, leitor, está esperando o
quê? Já deve ter entendido. Sabe do que falo. Vale à pena. Não é, apesar de
parecer (já me questionei), vaidade, vontade de eternizar-me, mas
oportunidade(s) de crescimento interior e social e grande diversão.
Tente. Coragem, caro.
LXV. Eça.
Diz Eça de Queirós: "As palavras
escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas."
O que são, afinal, as lembranças? De
coisas, de pessoas. Fortes, suaves, duradouras, passageiras etc. etc.
Estalo. Pronto, revivemos, com muita ou
pouca profundidade, momentos.
Bom, ruim, incontornável, controlável?
Sobretudo, ‘controlável’? Podemos deixar de lembrar-se disso ou daquilo?
Outros, como eu, chegam mesmo (ecco) a
escrevê-los em diários. Por quê? Se, no fim das contas, a taça de vinho tudo
muda?
O homem (muitos, compulsivamente)
escreve sobre sua vida. Na escola, no formulário, nos diários, nas cadernetas,
na página, na cara de sua mulher, na orelha do colega de bar, na vida breve.
Aí estão suas recordações. O hoje,
aliás, recorda o ontem, pois se hoje, ontem. Se é, foi. Se simples, complicado.
E aqui termino. Nermo, caro, se despede
e agradece sua paciência, ecco qua, o que ele procurava (sempre).
Caríssimo leitor, repito, tente você
também escrever. Que prazer Nermo sentiria em lê-lo. De verdade.
Fui. Un abbraccio. Con tutte le lettere
doppie. Così bella è la lingua italiana.
FIM
Escrita MCP