Cadê? Acabei de te emprestar. Mãos nos bolsos e por cima. O outro o mesmo. Estou do lado. Mas. Mas, o quê? Pensei, sem coragem de dizer: era só um isqueiro. Era meu. Emprestei. Não devolveu. Tem isqueiro? Sem resposta. Vai ao banheiro. O outro nem fala, já era gago e calado. Entre o esforço uma ou duas palavras, quando calmo. Embora, contextos surjam. A palavra única, uma tatuagem no ombro. Raul Seixas. Ele aceita a sugestão e caçamos o bic pelo chão do bar. Entende, né?! Era meu. Meu. Emprestei, não devolveu. Vai ter que dar os pulos dele. Sim, entendo. Não entendo. O outro volta. Saca uma nota da carteira. Problema resolvido. Se distanciam. Logo depois reatada a noite. Cumprimentam-se.
Continuo nas moedas do jukebox. Só voltei por causa do som? Não. Por certa razão frequento uns botecos melhores ou menores. Só eu. Não vejo pares. Sim os locais de longe ou de perto já antigos. O negro veio, o sertanejo jovem, as velhas raras, o jovem sinuca nem sei bem.
O som. Toma o ambiente, dançam, sacodem. O teto é sujo. E quem olha?
Diz o gago, depois de um tempo, que o sujeito é bom se gosta de música boa. E duas, depois mais duas músicas do Raulzito. E de novo bate no braço, arregaça a manga curta e mostra a cara dele, com o nome bastante legível embaixo: Raul Seixas. Cantamos juntos: um sujeito normal; metrô linha 743; um corcel 73, reclamar.
O dono do bar conversa com os clientes, sai detrás do balcão, assume o habituê, limpa as mesas, arruma meu livro, meus óculos, pergunta se está tudo bem. Se o gago me perturba.
Leio com o gago. Livro difícil, sobre o gita, sobre Raul, coincidência ou não.
Vou para casa. Resolvido o caso do bic. E certo que tenho ainda uma porção de coisas importantes para conquistar e não posso ficar aqui parado.
Sobre o autor: Piero de Manincor Capestrani é advogado. Também é pai, filho, neto, sobrinho, tio, irmão, do Espírito Santo, amém. Adora escrever e ler. Não conseguirá ler todos os livros, mas continuará tentando. Sobre o blog: Escrita MCP nasceu em maio de 2013. Forma natural do transbordo da escrita. O papel se sente tão solitário na gaveta. Pede mais. Não há só literatura, nem só Direito, nem só desenhos, fotos, vídeos. Nada só. Tudo sobra.
31.7.16
16.7.16
capítulo X a escadaria
Vai comer. Não. Não aguento mais essa limitação alimentar. Não pode isso, não pode aquilo. E apenas cinco opções na semana. Mudará. Paciência. Acha que o lugar em que morou começou diferente? Acreditemos. Não sei. Tô no meu limite. Sinto saudades das possibilidades lá fora. A liberdade tem seu preço. Você é muito chato, cara. Quero ação, mudança, reviravolta. Mas, está certo. Só estou cansado hoje. Vou até a gruta. Cuidado com a escada. Estão consertando ainda. Pode deixar.
Foi.
Três tinha todas as dúvidas. Na pequena caverna úmida reviu sua principal: quanto há de trabalho para nós? O que devo assumir para ficar em paz? Lá tinha uma venda de frutas orgânicas falida. Cansava de promover a alimentação saudável e das poucas horas de sono por ter que correr pelo frescor da mercadoria. O convite para a SociSec (como chamava o grupo) foi aceito sem muito refletir. Poderia ajudar no cultivo e viver de novo. Recomeçar. E tinha se encantado por ela.
Meses passados e pensava que poderia contribuir mais. Porém, não tinha ânimo, vontade. Os tomates não vingaram. O chuchu era pouco ainda. E que vale um chuchu? Sobravam bananas, couves e abacaxi. Ela gostava de outro. Três sentia-se preguiçoso, inútil. Sua almejada paz não vinha e sopesava voltar para a vida na vendinha que deixara para um amigo cuidar. A vendinha tinha melhorado sem ele, recuperado a lucratividade, mesmo que ainda mínima.
Três? Doze. Não nos falamos muito desde que aceitou esse desafio. Como você está? Triste, doze. Acho que isso aqui não é para mim. Preciso de mais possibilidades. Lá fora?! Fique mais um ano. As coisas vão melhorar. Aqui. Não lá. Sabe que gosto de você. Sim. E você? Não. Ele? Não quero falar sobre isso agora, por favor. Ok. Você fica? Só porque você pede. Não se arrependerá. Espero.
Os dois ainda conversaram mais. Sobre a própria liberdade em geral. Escolhas, oportunidades, cotidiano, paz interior, sinceridade, amor, prazer, paixão. Quão livres somos? Quanta liberdade queremos? Quanta podemos? Solidão, relacionamento humano, família, amizade, trabalho. Havia neles complexos e diversos micro-universos.
Levantaram-se. O três para o pomar. A doze para a escola. Ele saiu detrás da árvore, olhos serrados. Suspirava.
Foi.
Três tinha todas as dúvidas. Na pequena caverna úmida reviu sua principal: quanto há de trabalho para nós? O que devo assumir para ficar em paz? Lá tinha uma venda de frutas orgânicas falida. Cansava de promover a alimentação saudável e das poucas horas de sono por ter que correr pelo frescor da mercadoria. O convite para a SociSec (como chamava o grupo) foi aceito sem muito refletir. Poderia ajudar no cultivo e viver de novo. Recomeçar. E tinha se encantado por ela.
Meses passados e pensava que poderia contribuir mais. Porém, não tinha ânimo, vontade. Os tomates não vingaram. O chuchu era pouco ainda. E que vale um chuchu? Sobravam bananas, couves e abacaxi. Ela gostava de outro. Três sentia-se preguiçoso, inútil. Sua almejada paz não vinha e sopesava voltar para a vida na vendinha que deixara para um amigo cuidar. A vendinha tinha melhorado sem ele, recuperado a lucratividade, mesmo que ainda mínima.
Três? Doze. Não nos falamos muito desde que aceitou esse desafio. Como você está? Triste, doze. Acho que isso aqui não é para mim. Preciso de mais possibilidades. Lá fora?! Fique mais um ano. As coisas vão melhorar. Aqui. Não lá. Sabe que gosto de você. Sim. E você? Não. Ele? Não quero falar sobre isso agora, por favor. Ok. Você fica? Só porque você pede. Não se arrependerá. Espero.
Os dois ainda conversaram mais. Sobre a própria liberdade em geral. Escolhas, oportunidades, cotidiano, paz interior, sinceridade, amor, prazer, paixão. Quão livres somos? Quanta liberdade queremos? Quanta podemos? Solidão, relacionamento humano, família, amizade, trabalho. Havia neles complexos e diversos micro-universos.
Levantaram-se. O três para o pomar. A doze para a escola. Ele saiu detrás da árvore, olhos serrados. Suspirava.
14.7.16
A sociedade secreta
Esses
os capítulos até hoje elaborados e publicados (o XXII no Jornal de Valinhos e
os demais em postagens deste digno blog). Em breve mais capítulos escritos e
publicados na mais organizada desordem que você jamais imaginou. Garanto.
Prólogo
Na música, no filme ou
mesmo em histórias próximas de família. O desejo e a ação da mudança. Pessoas
que deixaram sua terra natal, seus berços que não faziam mais sentido e
partiram em busca de seus sonhos, de uma vida melhor, completa. Alguns
conseguiram, formaram famílias. Outros ficaram pelo caminho.
É difícil mudar. O medo
de dar errado e a esperança pelo dia de amanhã do jardim que já fora bom são
poderosas forças de inércia.
Ocorre que muitos
resolvem pelo novo. Essa turma da história, como você, refletiu também.
Sopesaram os prós e contras, tremeram na base. Mas, não acreditaram na opção de
ficar. A tentação pela nova chance, pelo recomeço separou eles da estrada.
Foram.
O autor do texto já
mudou. Não só de cidade. Relacionamentos, esportes, escolas, bairros, hobbies,
coleções, cortes de cabelo, roupas, gostos culinários, saudades, sofrimentos,
alegrias, trabalhos, estudos etc. Há mais fáceis que outras. Trocas naturais
como escovar os dentes. Escolhas difíceis como a própria complicação. E ainda
muito mudarei como é natural da vida.
Agora, vale pensar, há
zonas de estabilidade. A natureza da planta perene. O imóvel conservado. A
tradição da receita boa. As interações universais do homem social: amar,
sofrer, querer, sorrir, chorar, sentir fome, sede, sono, frio, calor, afeto,
amizade, honestidade, sexo, violência, crueldade, bondade, justiça, ambição,
apatia, solidão, compaixão, fraternidade.
E por que uns estão
longe dessas zonas fixas? Enfrentam o barco cargueiro, o bote à deriva, a mata
úmida, a cerca cortante. Não só querem como precisam da mudança, para a própria
sobrevivência. Refugiados.
Não sei. Há torturas no
caminho que são intragáveis. E fazem parte do grande mistério que é a vida.
Lugar de provações e desafios ou realizações e alegrias? Um dia saberemos,
espero.
Nossos personagens fictícios escolheram após
reuniões e planejamentos a mudança para o terreno próprio arejado e com
condições mínimas de sobrevivência. Ninguém os expulsou de casa de baixo de
tiros, bombas ou foram forçados pelas devastações causadas por desastres
naturais. Complicadas circunstâncias.
Bem, que bom vermos
projetos de ajuda e colaborarmos. Imagine só as pessoas que recebem um
refugiado para passar o Natal em sua casa? Diz esse projeto que já há trezentas
famílias anfitriãs. Que bonito.
De novo aos nossos
heróis fiquemos apenas com a ideia da mudança refletida. A outra não vivi e
seria uma pretensão desarrazoada contá-la. (Compartilho a opinião de que só
devemos escrever sobre o que nos é próximo. Mesmo os mais criativos ficcionistas
registram só aquilo que acreditam. Senão, a narração fica inverossímil e o
leitor perde o interesse. O fantástico não é sinônimo de divagação, há mais
consciência do que possa por vezes parecer. Pesquisa, vivências próprias,
suposições íntimas.)
Qual a mais trabalhosa
mudança: a quista ou a forçada? Escolher é dureza. Geralmente só a primeira
concede tal luxo. A segunda possui outras esferas de desafios, que não
escolher. Não é da natureza do ser humano a auto-extinção.
Por fim, o prólogo deve
ser sincero. Só queremos um momento de paz. Só isso. Se o texto lhe trouxer
algo parecido cumpre sua missão. Essa criação deu-me muitos. E escrevo e
publico para você, também. Não há para mim completude sem seu prestígio.
Obrigado por ler. Espero que goste.
Capítulo I
Era uma vez uma história real. Real de mentirinha,
por capricho do autor, embora toda narração seja verdadeira.
capítulo
II porquê?
Por
que secreta? Melhor. O novo cria faíscas. O isolamento, de um jeito ou outro,
pouco durará. E o silêncio traz chuva.
Sentirão
saudades. Alguns sucumbirão. Sim. Vamos tentar? Eu divulgarei de forma
discreta. Poucas pessoas. Alcançado o mínimo mais um iniciaremos a captação dos
recursos. Sinto que dará certo.
Quanto
tempo até a mudança definitiva? Dependerá dos escolhidos. Estabeleçamos o
máximo de dois anos. Ok. Tem tudo para dar errado. Um rompimento com a
sociedade é algo bastante radical. Cidadão mínimo. Ou será possível um
distanciamento oficial, reconhecido? Conseguiremos em pouco tempo. Serviços
pela natureza e vizinhança. Governo geral já era. Nosso país está quebrado.
Sei
não. Podemos ser dizimados. Presos. Mais do que já vivemos hoje? Cara, fique à
vontade. Se preciso vou sozinho.
Ok,
ok. Me convenceu. Não vejo futuro. Vamos tentar. Tenho um amigo que topará,
certeza. Tenho três. Famílias? Também. Mais difícil, mas se quiserem pode.
Que
mais? Mudança, caro. Mudança. E as circunstâncias serão as melhores. As
adequadas –, para o que precisamos. Acredito nisso. E não tem como dar errado.
Já deu certo. Não existe tentativa.
Manhã.
Temperatura baixa, sol brando. A caminhada acompanhava a sombra variável dos
pinheiros. Terra. Estrada bem pisada. Acharam o local. A matrícula indicava as
mesmas medidas e pontos de demarcação. Molharam os rostos na água corrente.
Gelada o suficiente para acordar os ânimos. Beberam. Sonharam.
A
mensagem era boa, lógico. Governo novo, próprias regras, ar puro, recomeço. Um
punhado de aventureiros e aventureiras e tudo estava pronto. Os dois anos
ficaram em intensos onze meses e dezessete dias. Dois carros grandes
utilitários. Só até a auto-suficiência. Partiram. Estavam muito felizes. Todos.
E sóbrios. Quase todos.
Capítulo
II.3 o oito
Gostava da dez. Que gostava do um. Quem não gosta do
um? Que gostava da quatro. Que gostava do um, também. E a cadeia fica mais
feliz, porém menos interessante que a de Drummond. E quem é mais? Somente
diferente. E basta. Acho.
Não era lá muito doce. Se convocada a reunião não
aparecia. Depois o encontravam em flor de lótus na cachu. Que? Esqueceu? Se
fosse para colecionar compromissos tinha ficado lá atrás do balcão. Não. Não
concordo.
E sumia. Onde? Por aí. Dizia que estava indo para o
mundo. Tchau, vou para o mundo. Voltava. Dois, três, vinte dias. Mas,
retornava.
Nove: fora. Expulsão. Não aguento mais esse cara.
Não quer que cresçamos. Quer mais é zoar. Qualquer hora, qualquer dia. Não é
bom para nós.
Dez: discordo. Ele começou conosco. Topou a mudança.
Há nele o necessário. E o tempo dele está reservado. Não devemos apressá-lo.
Mais chances, mais paciência. É cedo para qualquer decisão.
Noite. Pela segunda vez em sete meses oito fica até
mais que o esperado no arranjo das armadilhas das beiradas do terreno. Uma vez
por semana dois eram escalados para checar as amarrações e os encaixes. O
trabalho era invencível e no dia seguinte haveria uma verificação extra e
rápida por mais dois. Eram já mais de vinte e nove armadilhas complexas e
diferentes com mecanismos eletrônicos simples, mas que exigiam cansativa e
atenta manutenção manual.
Dez terminava a instalação número dezesseis, a
última. O escuro já permanecia o suficiente para a volta. Oito foi até ela.
Terminando? Ainda aqui? Sim, mas já vou indo. Espero-te? Não. Ainda vou longe.
Ficou um pouco. Conversaram. Você acredita? Claro. Não. Por que permanece? Sabe
que reparam suas dificuldades e poucos creem na sua persistência. Sei. Vivo
muito o momento. Como agora.
Tentou beijá-la. Virou o rosto. Você não pode.
Disseram que quando sai é para cuidar de outros interesses. Um dia não volta
mais. Não quero. Meu lugar é aqui, livre, consciente e segura. Quando vimos
aquele filme eu lembro que disse que achava besteira que precisávamos seguir
apenas um mestre. Disse que não podemos nos contentar. O melhor é mais, é
infinito, é contraste. Discordo. Gosto de rotina. Da junta mesma na sala
arrumada toda terça-feira.
Fez uma careta. Deu às costas. Tinha muita
dificuldade de ser rejeitado. Mas, ficou feliz. Na última vez às sós com ela
não vencera a dúvida e discordara dele mesmo, o que é mais triste que o álcool.
Duas semanas e nova saída do oito dos limites da
propriedade. Um dia depois, alcoolizado, chamou a “numeraiada” de dominó e
perguntou o motivo da distância entre eles. Se quiserem sucesso comecem a
engatar as peças e derramem os desejos no fim da fileira. Vence o jogo quem
tiver mais combinações. Uma sociedade seletiva é fracasso. Mas, passarei a
noite aqui.
A maioria cala. Alguns não.
Capítulo
III A morte
Preciso
de cinco letras
Ela
de uma discussão
Se
a ideia não centra
Tampouco
a mão.
259
dias, quatro convocações gerais
Plano
traçado
Mais
segurança no roçado
Objetivos
definidos, expectativas reais.
Discordou.
Se é assim é sem mim
Foi
embora e depois outro
Triste.
Onze e treze. Mas, continuemos, enfim.
Reprodução,
alimento, espaço
Doença,
governo, bagaço
Não
houve rima.
A
verdade é que era apenas mais uma sociedade. Mas, pense só, não era isso que
eles queriam. E, quando quer-se algo e vai-se em busca há encontro. Já se disse
que não existe a tentativa, mas o ato e que o caminho da vida é a morte, o do
risco o sucesso.
Um
ano. Manual reescrito, direitos e deveres reinventados. Quatro premissas.
1.
Aconteceu, ponto. Agora pode ser diferente. Amanhã não precisa ser igual.
2.
Se o homem cria a regra, institui o contrário.
3.
Você sabe o que fazer.
4.
Sua vida é tão simples quanto a do girassol.
Concordo.
Não concordo. Acordes concordes.
Nomes
foram dados. Era preciso, já que seriam criados lugares, privilégios. Porque,
ora, pois, somos os firmes fundadores.
Um,
dois, três, quatro até o último, a quatorze. Sim, e só. As mulheres não
gostaram. Por que "os" números? Ficou assim mesmo. A três, a sete. O
oito. A doze.
-
Bom dia.
-
Dia.
-
Semana que vem serei o ponteiro. Muitas saudades do mundo lá fora. O que se diz
daqui? Quem são os governantes?
-
Volte. Se está ruim vai.
-
Lá eles têm destituído líderes do Governo. Há desorganização. Todos os
defeitos, dificuldades.
-Também
teremos.
-
Será? Não. Acredito na transformação. A boa semente. E contrastes. Sempre
existirão. É a razão da vida.
-
Como assim?
-
Simples. Você acredita em nós porque desacredita neles. Contraste. O bom
torna-se visível, perceptível por conta do mau.
"CHAMADA
A TODOS. CHAMADA A TODOS."
-
Convocação geral. Vamos.
Na
tenda dois: "todos sabem da minha sobrevida. Fraqueza extrema, partida
iminente. Preciso deixar a liderança, mesmo em tempos difíceis. O falecimento
do oito deve ser refletido. Todos somos responsáveis. Não chegaremos lá com comportamentos
violentos."
Doze
assume interinamente, até término do procedimento de novas eleições.
Sugere,
sustenta e aprovam que todos funcionem como porteiros, em rodízio aleatório,
sorteado. Importante que não só os mesmos três ou quatro saiam à civilização,
mas que seja direito-dever de todos. Assim não haveria mais possíveis
contaminações. Nós temos que crescer de dentro para fora e não o inverso.
Exemplo de organização e qualidade de vida.
E
foi assim. Foi um bom mandato de doze, embora de poucos meses. Não concorreu à
nova liderança. Conheceu dos detalhes da sociedade e iniciou suas divagações,
cada vez mais profundas. Mas, seguia com outras funções relevantes, como a
leitura para o novo membro, com poucos meses de vida.
Continua.
Capítulo iv – notícias de
lá
o jovem marca o amigo
O status é "achando muita graça"
compartilham a notícia
"Sociedade perdida --, em si
mesma"
que bla bla
Bla, não tem sequer "net"
Que não se pode voltar à pré-história
bando de hippies
doidões
Desliga o computador
Acessa pelo smartphone
Zap zap, #Flintstones
Dormem.
Buzinas. motos
Som automotivo
De manhã ,
sucrilhos
Descansa Donut's
Refresca Su Fresh
Sofá
TV
Academia
Bar
Moribundos
MAS, NO MATO TEM MUITO INSETO.
já teve mais
capítulo
V a doze
A
vida da doze antes era quase normal, não fosse seu amor pelo sete.
Café
da manhã não havia. Almoço pouco, lanches. Meia janta. Só pensava no moço. Via
ele todo dia no caminho dos estudos. Ele lia no banco da árvore, ela saía de
casa de manhã, do outro lado da rua. Cumprimentavam-se. Olhares. Dois anos.
Olá,
meu nome é Laís. O meu é Jonas. Qual livro está lendo dessa vez? O mesmo.
Sempre o mesmo. E sempre outro. É uma obra literária. A cada dia surge uma nova
visão do texto, na medida dos acontecimentos da minha vida. E não enjoa? Leio
só uma página por dia. Na hora que eu saio de casa. Sim. Está me paquerando?
Gostaria de saber sobre a história? Adoraria. É sobre uma nova organização
social. Pessoas dispostas a criarem um novo rumo das coisas. O livro é como um
manual para isso? Pode se dizer que sim. Então não é literatura. É um manual.
Não. Tudo se passa no contexto de um personagem, da Leila. Como termina? A
sociedade dá certo? Literatura boa. Você decide se deu certo. Como assim?
Depende da sua visão da vida. Acha que poderia escolher morar isolada
parcialmente de todos e seguir novas regras, submeter-se a um novo líder? Faço
isso já. E o líder vem e vai com o passar do tempo. Literatura. Empresta-me?
Tome.
(Ca Pí tul o cinco e ½)
(Dormi
mal hoje O cerne cantarolou, mas não vingou A semente germina, o sol a fustiga
E o tempo? O espaço de tempo, os ponteiros da rua O sono forte, o trabalho
contínuo Só há três coisas: o verme, a folha e o vento Os que vivem nas beiras
não suportam os pivôs, maltratam o caminho, sucedem os excluídos Contudo, há
foco, há persistência e silêncio De tanto aguardar a tristeza ela não chega O
eixos das mãos se perdem em outros queixos, queixas Enquanto o cabelo cresce
também a unha Dias para a leitura, anos para o livro Conversa curta, banho
longo Bebida quente, bicicleta livre Doze pessoas soltas são mais presas que a
própria pele no corpo Estou com sono de novo e preciso dormir melhor Escrevo o
espanto do cansaço para as vagas da noite Só assim sossego as favas do dia)
Sexto capítulo
Tres
terriveis predadores a fome o mato e o lixo felizmente nenhum por la fugiram
nossos herois os carniceiros continuam a espera na cidade mesmo o mato
atrapalha teima em crescer embora esteja o solo ja tao concretado ha fome ha
lixo este talvez mais o combate a fome e ao mato nas aglomeracoes gera muita
sujeira muitos nao querem dividir a comida farta a terra extensa sobras tantas
versus necessidades extremas o mato cresce poucas arvores pouca agua boa la na
fazenda e diferente povo unido divisao de recursos pouco excesso quase nada de
lixo alem do corporal a questao clara nao pode ser desprezada porem menos sera
mais ou sera que nao existe limite talvez ou nao duas pessoas podem ou nao
escalar a montanha juntos ou nao o mesmo com tres cinco cem mil motivacao
empatia lideranca fartura esperanca fe autopreservacao medo e tanto mais no fim
tudo difere muito o bairro vizinho tem outra historia os gemeos os filhos dos
pais de certo no consenso ha perdas ha concessoes a felicidade o conforto
coletivo momentaneo e so depois mais extenso suado trabalho clima saude espaco
pessoas para dar certo nao deve haver receita infalivel tentar tentar armar uma
barraca juntar um punhado de gente cavar plantar construir conversar ler agir
viver a sociedade comecou de alguma forma com certeza vale a maxima o
importante e comecar as possibilidades sao todas
Capítulo vii
O
bom enxadrista dirá que só existe um movimento certo entre tantas
possibilidades que se apresentam e se apresentarão em seguida, a depender da
jogada anterior: o melhor.
Seja
com limite pré-fixado de tempo ou não (sempre há um limite, porém), também na
vida nosso personagem Sete matutou suas escolhas. E sempre teve pelo menos
duas: agir ou não. E ainda pensava que as alternativas se confundiam, pois não
agir era uma atitude, então, nossa mera existência já tanto influi na Terra,
com todas as implicações da passividade humana. Existem séries de TV sobre as
transformações severas no planeta caso os seres humanos simplesmente virassem
estátuas ou mesmo subtamente desaparecessem.
Depois
que ele conheceu sua musa Doze não pensava em mais nada senão levá-la ao
matagal e caçar borboletas, claro. Já pensou besteira, né?! Colecionador de
borboletas desde os sete quando herdara a famosa coleção de seu avô. Aumentara
um pouco a coleção, já que, como os vagalumes abundantes de sua infância, as
borboletas eram cada vez mais raras nos poucos quintais que tinha acesso da
cidade.
Até
os doze era fácil. Ia com sua avó de casa em casa, desde que percebesse um
quintal florido, e não raro obtinha a permissão para caçar as belas voadoras.
Às vezes capturava duas borboletas diferentes em um único mês de insistentes
buscas. As prendia em um pote e depois de um tempo afastado (não conseguia
vê-las morrendo) fazia o fichamento e a devida conservação.
Depois
de mais velho, sozinho, raramente deixavam-no entrar nas casas. Apelava para
praças, parques, viagens.
Doze,
antes de iniciarem a sociedade secreta, o acompanhou em uma viagem para uma
fazenda no interior muito florida. O proprietário colecionava espécies de
flores do mundo inteiro. Estufas, flores aquáticas, de montanha, de planícies,
de clima úmido, temperado e seco. Foram dez borboletas diferentes em um feriado
prolongado.
Era
ótimo. Ele contava sobre a vida curta das borboletas e sua única chance de
preservação da espécie. Sobre a metamorfose fantástica lagarta-borboleta. Sobre
as diferenças em suas cores, tamanhos e preferências alimentares. Era um
infinito de informações.
Doze
achava incrível essa paixão pela delicadeza de um inseto tão frágil, mas tão
forte na mente das pessoas. Quem não se encanta com uma borboleta? Que com
pouco esforço, mesmo sem redes, pode ser capturada com dois dedos fechados nas
pontas de suas asas. Debate-se, suspira, morre.
O
instinto. As escolhas são fruto dele? Até que ponto podemos transpor nosso
instinto de sobrevivência própria e da nossa espécie? Chegará um momento em que
todos escolherão não ter filhos? A tendência é essa, ao que pesquisas
demográficas indicam. A população decresce em ânimo de procriação. Aumentam os
habitantes ainda porque o povo não morre logo. Os velhos serão maioria um dia,
indica o gráfico. O mundo envelhece.
Sete
escolheu. Não envelhecer no mato com meia dúzia de revoltados com a poluição da
cidade, optou por um destino diferente do que seu instinto pedia. A cidade
garantia alimento, calor, pessoas, saúde e filhos. O mato era inóspito. Tudo
muito escasso. Frio, doenças sem pronto tratamento, uma vida breve. Vamos,
minha borboleta? Sim, ela disse. Foram. Escolheram. Talvez até fosse, na verdade,
o instinto deles.
Só
não esperava o Sete pelo o que aconteceria tão cedo, súbito, rápido.
Oito – sete vidas
A
vida muda a todo instante. É verdadeira a metáfora de que o mesmo rio não passa
duas vezes pelo mesmo local – já são outras águas.
Não
se sabe ao certo o que aconteceu na vida do Sete. Acostumado e defensor da vida
na cidade, decidiu de repente a mudança para o campo. E levou a doze com ele.
Alguns
dizem que foi por conta de uma revelação do famoso livro (aquele que ele
emprestou para ela ler), outros que teria descoberto um tumor no pulmão de
tanta poluição respirada por anos. Mas, o mais provável seria apenas sua paixão
pela Doze que, após ler a obra, só pensava em viver deitada na grama olhando as
estrelas.
O
casal conseguiu o necessário para a transição e após pouco tempo não conseguiam
mais imaginar voltarem para o asfalto falho.
Sete
adorava gatos. Sua independência e imobilidade pacífica o inspiravam a
acreditar na paz. Disse certa vez: os felinos sabem viver, pois conseguem
economizar energia e utilizam depois com tamanha precisão que sua vida
endurece, solidifica em outras – em sete. Devemos admirá-los, finalizava seu
discurso.
Porém,
a existência mais próxima da casa do joão-de-barro que parecia perfeita (as
duas casas) degringolou. Por quê?
capítulo X a escadaria
Vai
comer. Não. Não aguento mais essa limitação alimentar. Não pode isso, não pode
aquilo. E apenas cinco opções na semana. Mudará. Paciência. Acha que o lugar em
que morou começou diferente? Acreditemos. Não sei. Tô no meu limite. Sinto
saudades das possibilidades lá fora. A liberdade tem seu preço. Você é muito
chato, cara. Quero ação, mudança, reviravolta. Mas, está certo. Só estou
cansado hoje. Vou até a gruta. Cuidado com a escada. Estão consertando ainda.
Pode deixar.
Foi.
Três
tinha todas as dúvidas. Na pequena caverna úmida reviu sua principal: quanto há
de trabalho para nós? O que devo assumir para ficar em paz? Lá tinha uma venda
de frutas orgânicas falida. Cansava de promover a alimentação saudável e das
poucas horas de sono por ter que correr pelo frescor da mercadoria. O convite
para a SociSec (como chamava o grupo) foi aceito sem muito refletir. Poderia
ajudar no cultivo e viver de novo. Recomeçar. E tinha se encantado por ela.
Meses
passados e pensava que poderia contribuir mais. Porém, não tinha ânimo,
vontade. Os tomates não vingaram. O chuchu era pouco ainda. E que vale um
chuchu? Sobravam bananas, couves e abacaxi. Ela gostava de outro. Três
sentia-se preguiçoso, inútil. Sua almejada paz não vinha e sopesava voltar para
a vida na vendinha que deixara para um amigo cuidar. A vendinha tinha melhorado
sem ele, recuperado a lucratividade, mesmo que ainda mínima.
Três?
Doze. Não nos falamos muito desde que aceitou esse desafio. Como você está?
Triste, doze. Acho que isso aqui não é para mim. Preciso de mais
possibilidades. Lá fora?! Fique mais um ano. As coisas vão melhorar. Aqui. Não
lá. Sabe que gosto de você. Sim. E você? Não. Ele? Não quero falar sobre isso
agora, por favor. Ok. Você fica? Só porque você pede. Não se arrependerá.
Espero.
Os
dois ainda conversaram mais. Sobre a própria liberdade em geral. Escolhas,
oportunidades, cotidiano, paz interior, sinceridade, amor, prazer, paixão. Quão
livres somos? Quanta liberdade queremos? Quanta podemos? Solidão,
relacionamento humano, família, amizade, trabalho. Havia neles complexos e
diversos micro-universos.
Levantaram-se.
O três para o pomar. A doze para a escola. Ele saiu detrás da árvore, olhos
serrados. Suspirava.
Capítulo XI
Treze
segundos. Pouco? Depende. Se estiver com quilos nos ombros, se for para decorar
uma imagem complexa, se para usufruir algo, se para vencer certa distância.
Diferentes percepções. Ele não sabia direito qual seu desafio. Olhava de cá, de
lá, em questionamentos mil. Devo mesmo trabalhar nas plantações? Ela é mesmo
minha metade? Devo voltar para minha terra natal?
O
novo leva tempo para secar. Até lá, arestas brabas. Se há disposição temos
chances.
O
dia seguinte foi difícil. Falasse com ela sobre a quebra dos pactos e as
relações transbordam. Tudo bem com pires. Mal o café quente na pele frágil.
Sair da nova formação seria retornar ao nada. Estava bem claro para ele a
necessidade de permanência. E daí? Não seria a primeira decisão tomada. E como
precisamos tomá-las. Nossa.
Passeou
duas vezes pela terra no dia. Manhã fresca. Sol agradável e céu primeiro
colorido. Plantas crescendo bem, membros bem-humorados. À tarde, pão. Sol põe o
ponto último e resta a cor mais escura. Quatro horas depois ele ainda está em
seu posto. Noite de vigia dos bichos. É preciso proteger os brotos. Há
encrencas que atrapalham o cultivo. Quinze segundos para a rendição. Deixa a guarda.
Sabe que outro número absorverá a demanda. Certas coisas é melhor cortar.
Consegue. Mais uma baixa.
capítulo
XVIII jornal
Saiu
no jornal: a sociedade continua. Muitos questionam seu isolamento e ideal.
Janaína, vizinha do local, acha que eles estão certos e já iniciou o processo
para integrar o paraíso, como ela apelidou o lugar. Seus pais são contra.
Pensam que "se fosse boa coisa os sujeitos estariam do lado de fora,
ajudando a limpar o rio, agora mais sujo com o cocô daqueles animais".
Mário, tecnólogo de edificações, 14 anos, diz que mandou dois desenhos de casas
ecológicas para a comunidade. Eles gostaram e encomendaram a criação de um
espaço de convivência. Ele está terminando e não quer cobrar por nada. "O
futuro está ali", afirma. "Outros nascerão. A sociedade pós-moderna
já era. Todos estão cansados. Não é voltar ao tempo das cavernas, mas ter outra
relação com os recursos naturais e com as pessoas. Pequenas comunidades, novos
governos".
A
realidade é que pouco se sabe sobre a organização e seus fins. Se há boas
intenções questiona-se se virar as costas para o mundo é bom. Se tudo não
presta pergunta-se porque foi editada lei que isenta o lugar de pagar quaisquer
tributos e o desvincula oficialmente do Estado. Pouco, porém muito. Muitos já
tentam entrar. Outros falam em preparar uma comunidade ao lado e sobrepujarem a
original. Ainda nada. E a cada dia um clima de revolução geral parece crescer.
Mesmo os governantes, comentam seus próximos, estão contagiados e raramente têm
falado qualquer coisa na mídia.
As
pessoas estão caladas. Refletem. A ação, se o silêncio já não é, deve vir logo.
Enquanto isso a sociedade, lentamente, emerge. Acompanharemos.
Mês
que vem leia nosso especial sobre os cinco anos e meio da comunidade.
Descobrimos quem são os pais de nove membros. E eles soltaram o verbo.
Imperdível.
CAPÍTULO
XXII A JANELA
Meia-noite.
O conciliador toca a campainha da moradora doze. Nada. Faltou na colheita, não
leu para os pequenos, não ajudou na ceia dos doentes. Tocou mais uma vez. Bateu
palmas próximo às janelas laterais. Fechadas. Sem resposta.
Uma
das regras da Sociedade Secreta era justamente essa. Insista. Tudo tem uma
saída, é recompensável, contornável. O conciliador cumpria com zelo seu dever.
Devia conversar com ela e encontrarem uma solução.
Doze
não havia transgredido qualquer regra, tampouco parecia buscar problemas com os
“livres”, como eram chamados os habitantes dessa sociedade. O que havia, então,
acontecido? Por que seu desinteresse?
O
líder, seguido o manual, esperou os cinco dias permitidos sem necessidade de
justificação e permissão para reclusão voluntária. No sexto, firme, chamou o
conselho e decidiram pela necessidade de intervenção forçada. Um voto contra,
apenas. Que deixasse ela em paz, por mais dez dias, disse aquele que se opôs.
A
Sociedade já tinha cento e trinta e oito pessoas. Sete anos desde a primeira
reunião operacional. Apenas uma fogueira, dezessete barracas, seis famílias, um
objetivo comum. Fundar uma sociedade paralela, restrita e independente.
Dizia
o líder: como os índios, viveremos com nossas próprias leis, nossas metas,
nossa moral. Tudo será permitido, desde que haja sentido mínimo para a maioria.
As decisões serão conjuntas, com votação individual e discussão sobre o
veredicto, dada a palavra a todos. Nem democracia, nem ditadura, porque a
soberania será de todos.
O
primeiro ano foi de muito trabalho. Ideias e mais ideias frustradas de
isolamento. Dois “livres” dissidentes. Uma morte não natural. Do segundo ao
quarto anos calmaria e consolidação do ideal. Cercas vivas, ofícios ao
Prefeito, reunião com o Governador, telefonema a Presidenta. Tudo acertado.
Carimbo de “faça o que quiserem aí no seu mundinho, só não saiam novamente daí
com bandeiras e cartazes”.
Quinto
e sexto anos. Sete presos políticos, uma prostituta, seis menores abandonados,
um presidente de empresa, um juiz, dois médicos, uma flautista, um cobrador de
ônibus.
Sétimo
ano. Quatro da manhã. Silêncio absoluto. Só o vento nas folhas dos eucaliptos,
as corujas, o riacho quase seco em época de pouca chuva. Deixou o bilhete na
caixa de correios, puxou a cordinha que levava a correspondência ao vão no
telhado (para situações como essa). Seguiu de volta, pelo já mal cuidado
caminho de arbustos altos de espinhos.
Doze
não apareceu no dia seguinte. Sabia-se que estava lá. De manhã fumaça na
chaminé. O sino para as refeições em domicílio. Privilégio das primeiras seis
famílias.
Vinte
dias. Marcada mais uma reunião do conselho. O que há com ela? Precisamos de uma
intervenção mais enfática.
Continua.
Até lá.
Capítulo
vinte e sete
Está
cantando? Ah, sim.
"Quando
a Morte chegou falei que não.
Não,
não não não não, dona Morte.
Preciso
engraxar meu sapato, enfeitar minha mochila, comer o pudim.
Se
viajo para longe quero ao menos terminar minha crônica.
E
ela disse talvez, posso aguardar mais um dia. Me diga, porém, pois quero saber
onde encontrarei você.
Só
dobro a esquina três vezes. Subo dois lances, descarrego o dia, cumpro a lista
e retorno ao mar. Lá mergulho e desdobro a folha.
Leio
a prosa, caminho de volta por outras curvas iguais. Termino em casa, sapato
calçado, cabelo riscado, escondido na varanda. Deve me achar.
O
Fim não veio. Mandou ajudante. Vamos que já é hora, falou. Meu trato foi com a
sua chefe, rapaz. Descaso qual é esse?! Não pode vir, está com dores fortes,
coisa de mulher. Também estou indisposto hoje para morrer. Não vou mais. Fale
com ela, meu cupincha. Fique aqui, então. Não saia nem morto, viu?!
Dia
seguinte o encontro frio com ela. Homem difícil, aí está você. Dar trabalho
para a morte, onde já se viu?! Mas, respeitou os pedidos e sua escrita me pegou
de jeito. Não tive dores, mas calores. Prefiro você vivo. O povo do meu lado
também leu e querem mais textos para a Revista das Coisas de Lá. Aproveite. E
foi embora. Puff. Fiquei."
Uia.
Cantou muito esse samba antes de vir para cá? Duas vezes por noite. Adoravam.
Mas, não dava para pagar as contas. E veio para cá?! Desistiu. Ah, amanhã
desisto dessa patota. Já ouvi outras histórias como a sua. Isso aqui é um
cadafalso de desilusões. Vamos? Opa, não. Sabe-se lá quando ela vem. Aqui vivo
mais. Engano seu. Ela te poupou porque você tinha algo para viver. Um
propósito, meu caro. Amanhã você vai embora comigo daqui e não tem acordo.
Foram.
Capítulo
perdido
Quantas horas? Sabe-se lá. Foi um dos motivos
porque aceitei esse desafio: esquecer do tempo. Conseguiu? Três horas, não
mais. Puta frio. Sim. Pensava que a provação física era mole e só debilidades
graves mentais derrubariam o sujeito. Tsc tsc. Fora os mosquitos, não aguento
mais. Para dormir as redes não bastam. Até a subida dos muros os zumbidos
tiniam o profundo da consciência. A memória do nada em seu extremo. Preferia as
motos da avenida? Difícil. O ser humano se contenta? Não, certamente não. Então?
Deve ser por isso que estamos aqui, afinal. Superar o dia. E amanhã, e depois,
e depois de depois. Penso diferente. Isso tudo é um pleno abandono. E nem se
sabe de quem ou qualquer outro dado relevante. Já me acostumei. Quem pensa
estar vivo? Você sempre volta com esse papo. Eu penso. Pensa nada. Quantas
vezes por dia, diga. Também não é para tanto, mas vira e mexe e, bem, não sei
precisar, mas. Mas, nada. Não pensa, nunca pensou. Pensei. Está pensando agora?
Não. Preciso me concentrar (risos). É mesmo. Vivemos como autômatos. Idiotas
autômatos. E aceitamos tudo, caminhamos como os outros, nos submetemos ao
canhão. Diariamente, complementaria. Por todos os dias de nossa pobre vida. E
como é boa. Muito boa.
Amanhã quem fica de vigia?
O João e o Mário.
O nove e o cinco, quer dizer.
Não gosto dessa numeraiada do um. Bom dar números
quando se é o um (risos).
Cara, que olhos pequenos. Descanse que eu assumo a
próxima hora.
Certo, obrigado.
3.7.16
tema vencedor: o pó pode repousar?
Laís acordou com uma grande dúvida. Usaria amarelo ou verde para o encontro com Joãozinho? Se verde, o chapéu novo, com o laço grama. Se amarelo, as sandálias com as flores canárias da terra. Lembrou por acaso que usava o calçado quando conheceu Gustavo. Seria o verde, definitivamente. Mulher marca o homem com ferro em brasa.
O salão estava quase vazio. Essa coisa de fazer São João em cada esquina. Lá atrás era só o da Matriz. Povo todo largado na praça. Joãozinho tirou o chapéu. Êta homem educado. Laís sorriu, acabrunhada. Dias de conversas, olhares. Quando há amor não há pressa. O sabor faz lento o creme de vento. Dançaram quadrilha. Fim da festa Joãozinho acompanhou ela até o largo da sua casa. Olhos. Aproximação. Encaixe de corpos. Mãos. Beijos.
Cresceram. Casamento. Natanael é nato. E Luci. E Joana e Turmalina.
Mais uma. Não, só meio copo. Não limpa essas garrafas, Zé? Muito pó. Se limpo, elas sujam. Limpa de novo, ué. Não limpo. E você? Limpe esse copo, Joãozinho. Já cansei de você chegando quando o bar está para fechar. Hehehe. Capaz. Não voltava, sabe. O pó volta. Dorme. Lá em casa não. A Laís não deixa. É maníaca por limpeza. Todo dia diz que encontra um lugar nunca limpado. E conta que há pó entre a Bíblia e o gato de porcelana que ganhei da minha mãe, pó debaixo do tanque, atrás dos vasos das azaleias, em cima da murça. Por todo lugar, Jó. Diz ela. Não há como vencer. Se tiro de lá vem cá, se cubro, ele recobre, se molho, ele gruda, se ponho de cabeça para baixo, grudo no teto, ele ri do chão, escala o ar, faz estalagmites. Dá umas férias para sua mulher, João. Hahahaha. E ela guenta?!
É melhor deixar o pó das garrafas. Me convenceu. Sabe que até fica bonito?! Claro que sei. Se fosse para aguentar todos vocês que me aparecem aqui virava psicólogo, tocar um boteco veio exige muito pó, não é para qualquer um.
Bem, falamos muito já e eu nem tomei essa cachaça. Lá vai. Pronto. Fui, Zé. E devagar, para deixar esse pó pelo menos aqui repousar. Dê um abraço na Maria. Diga que a Laís a espera na quinta-feira para o chá. São as horas da poeira de casa. Quem guenta?!
O salão estava quase vazio. Essa coisa de fazer São João em cada esquina. Lá atrás era só o da Matriz. Povo todo largado na praça. Joãozinho tirou o chapéu. Êta homem educado. Laís sorriu, acabrunhada. Dias de conversas, olhares. Quando há amor não há pressa. O sabor faz lento o creme de vento. Dançaram quadrilha. Fim da festa Joãozinho acompanhou ela até o largo da sua casa. Olhos. Aproximação. Encaixe de corpos. Mãos. Beijos.
Cresceram. Casamento. Natanael é nato. E Luci. E Joana e Turmalina.
Mais uma. Não, só meio copo. Não limpa essas garrafas, Zé? Muito pó. Se limpo, elas sujam. Limpa de novo, ué. Não limpo. E você? Limpe esse copo, Joãozinho. Já cansei de você chegando quando o bar está para fechar. Hehehe. Capaz. Não voltava, sabe. O pó volta. Dorme. Lá em casa não. A Laís não deixa. É maníaca por limpeza. Todo dia diz que encontra um lugar nunca limpado. E conta que há pó entre a Bíblia e o gato de porcelana que ganhei da minha mãe, pó debaixo do tanque, atrás dos vasos das azaleias, em cima da murça. Por todo lugar, Jó. Diz ela. Não há como vencer. Se tiro de lá vem cá, se cubro, ele recobre, se molho, ele gruda, se ponho de cabeça para baixo, grudo no teto, ele ri do chão, escala o ar, faz estalagmites. Dá umas férias para sua mulher, João. Hahahaha. E ela guenta?!
É melhor deixar o pó das garrafas. Me convenceu. Sabe que até fica bonito?! Claro que sei. Se fosse para aguentar todos vocês que me aparecem aqui virava psicólogo, tocar um boteco veio exige muito pó, não é para qualquer um.
Bem, falamos muito já e eu nem tomei essa cachaça. Lá vai. Pronto. Fui, Zé. E devagar, para deixar esse pó pelo menos aqui repousar. Dê um abraço na Maria. Diga que a Laís a espera na quinta-feira para o chá. São as horas da poeira de casa. Quem guenta?!
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