8.1.16

O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.




 Segue artigo elaborado em parceria com o amigo advogado Vagney Palha de Miranda. Espero que apreciem.


O princípio da primazia do julgamento de mérito é uma norma fundamental.
Dito isso, cumpre aduzir que o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, traz profundas inovações no sistema processual brasileiro, contemplando princípios e institutos completamente inovadores, conferindo, portanto, filosofia e espíritos novos ao sistema processual civil brasileiro.
Nesse diapasão, o novo Código de Rito positiva expressamente, além do princípio da primazia do julgamento de mérito, os princípios da cooperação, do princípio da boa-fé objetiva processual e da duração razoável do processo, racionalizando bastante as normas processuais.
O artigo 5º, da lei 13.105/2015 positiva o princípio da boa-fé objetiva, que deve ser interpretado de forma a priorizar o julgamento de mérito justo e efetivo.
Nesse passo, cumpre observar que o artigo 4º do novo diploma processual preconiza que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
A esse propósito cumpre observar que o enunciado 372, do Fórum Permanente de Processualistas Civis aduz que “o art. 4º tem aplicação em todas as fases e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na instância recursal, impondo ao órgão jurisdicional viabilizar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja possível a sua correção”.
O enunciado 373, do aludido Fórum dispõe que “(arts. 4º e 6º) as partes devem cooperar entre si; devem atuar com ética e lealdade, agindo de modo a evitar a ocorrência de vícios que extingam o processo sem resolução do mérito e cumprindo com deveres mútuos de esclarecimento e transparência”. (Grifos nossos).
O enunciado 375 preconiza, ainda, que o princípio da boa-fé objetiva de que trata o artigo 5º do novo CPC se aplica também ao “órgão jurisdicional”.
Mais: o enunciado 378 entende que “(arts. 5º, 6º, 322, §2º, e 489, §3º). A boa fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a reprimenda do abuso de direito processual e das condutas dolosas de todos os sujeitos processuais e veda seus comportamentos contraditórios”.
Portanto, a nosso sentir, o princípio da boa-fé objetiva é um dos pilares concretizadores do princípio da primazia do julgamento de mérito na medida em que impõe às partes e ao órgão jurisdicional comportamentos voltados para o julgamento de mérito concretizado, justo e efetivo e, também, impõe deveres que impedem que o processo seja, desnecessariamente, extinto sem resolução de mérito.
Note-se que o artigo 321, do indigitado diploma processual dispõe que “o juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado”. (Grifos nossos).
Também, em sede processual, ampliou-se a expectativa recursal, já que, em caso de má instrução processual, desde que não haja má-fé das partes, ou seja, que a irregularidade não seja proposital para fins procrastinatórios, deverá o Tribunal intimar o jurisdicionado para suprir o vício: “artigo 1.017, § 3º. Na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único.; Artigo 932. Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.”
Também do Tribunal, o artigo 938, § 1º, dispõe que “constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes”.
Ato contínuo, o artigo 1.007 confirma o esforço para o julgamento do mérito, ao garantir diversas oportunidades à parte para sanar eventuais irregularidades, como preenchimento equivocado de guia de custas e recolhimento insuficiente do preparo recursal.
A mesma preocupação teve o legislador com o instituto da justiça gratuita, em especial artigos 99, caput, §§ 2º e 7º, e 101, §§ 1º e 2º, pois garantiu maior probabilidade de êxito e segurança processual ao postulante que realmente tem necessidade do benefício.
Isso porque, os citados dispositivos legais determinam que o pedido da gratuidade processual deva ser apreciado em qualquer fase do processo (inicial, defesa, petição de intervenção de terceiro e recurso), inclusive com isenção do preparo recursal quando há o pedido da gratuidade no recurso, e que, em caso de denegação ou revogação do benefício caberá recurso isento de preparo até decisão a respeito pelo relator.
Portanto, o novo CPC está amplamente fundamentado no princípio da primazia do julgamento de mérito e da boa-fé processual, devendo os artigos 4º, 5 e 6º deste diploma processual ser interpretados de forma a concretizar esses princípios, enquanto normais fundamentais e princípios hermenêuticos estruturantes da nova Lei Civil Adjetiva.
Ainda, o artigo 6º desse diploma processual, por sua vez, preceitua que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, sendo digno o fato segundo o qual a decisão de mérito deve ser justa e efetiva.
Visando a concretizar o princípio da primazia do julgamento de mérito, o artigo 139, incisos VI e IX, dispõe ser dever do juiz conferir efetividade à tutela de direitos e “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais”.
Ad argumentandum tantum, cumpre salientar que o Novo CPC deixou de tratar expressamente das condições da ação, de modo que a legitimidade das partes e interesse de agir passaram a ser pressupostos processuais.
A possiblidade jurídica do pedido passa a ser tratado como mérito da ação, razão porque a sentença que julga improcedente o pedido com fundamento na impossibilidade jurídica do pedido é decisão de mérito.
Dessa forma, visando a dar efetividade ao princípio da primazia do mérito o legislador atribuiu ao Magistrado o dever de sanar qualquer vício do processo com escopo de privilegiar, sempre que possível, o julgamento de mérito.
O Artigo 76, do novo Código de Processo Civil, por sua vez, observando o princípio da primazia do julgamento de mérito dispõe que verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
Por força do § 2º desse artigo, a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte poderá ser sanada até mesmo na fase recursal, inclusive nos Tribunais Superiores.
Seguindo essa toada, é oportuno observar que o artigo 352, do novo Código de Rito versa que “verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz determinará sua correção em prazo nunca superior a 30 (trinta) dias”.
Em homenagem ao princípio em questão, o artigo 485, § 7º, aduz que interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos desse artigo, o Juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se.
Portanto, por força do princípio da primazia do julgamento de mérito, o Juiz poderá retratar-se em todas as hipóteses de extinção da ação sem resolução de mérito previstas nos incisos do artigo 485, do novo CPC.
A esse propósito, cumpre acrescentar que o Magistrado também pode retratar-se de outras hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito previstas no CPC, ex vi do inciso X, do artigo 485, do CPC, reforçando o princípio em comento.
Portanto, concretizando o princípio do artigo 4º, do novo CPC, o artigo 485, deste diploma processual autoriza o Magistrado a retratar em todas as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito.
Cumpre trazer a lume os lapidares ensinamentos do culto processualista pernambucano Leonardo Carneiro da Cunha segundo os quais “a decisão de mérito a ser proferida no processo deve ser fruto de uma comunidade de trabalho entre o juiz e as partes, justamente porque, nos termos do art. 6º do novo CPC, “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. O processo deve ser cooperativo ou com participativo. Várias regras processuais são condições de aplicação do princípio da cooperação, dentre as quais as que exigem o atendimento de deveres pelas partes e, igualmente, pelo juiz. Um dos deveres que se atribui ao juiz é o de prevenção, consistente no convite ao aperfeiçoamento pelas partes de suas petições ou alegações. O juiz deve prevenir as partes de eventuais vícios, defeitos, incorreções para que sejam sanados, a fim de possibilitar o exame do mérito e a solução da disputa posta ao seu crivo[1]”.
Outrossim, a toda evidência, o artigo 1.025 do novo Código Processual Cível está voltado à concretização do princípio em debate.
A nosso sentir, o artigo 1.025 é dos mais relevantes dispositivos voltados à efetivação do princípio objeto do presente artigo.
Por conseguinte, concretizando a preferência do julgamento de mérito, o art. 1.025 do novo CPC preconiza que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.
Destarte, nas hipóteses previstas no referido artigo 1.025, os Tribunais Superiores poderão analisar e apreciar o acervo probatório aplicando, pari passu, o direito à espécie, sem que haja a discussão de houve ou não prequestionamento eficaz da matéria, desde que, se necessário, tenha sido opostos embargos de declaração para tanto.
O artigo 1.025, do novel CPC autoriza, portanto, ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e aos demais Tribunais Superiores análise do conjunto probatório sempre que o Tribunal Superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade, concretizando, portanto, o princípio  em tela.
O julgamento de mérito deve ser o objetivo precípuo da atividade judicial, de modo que as questões meramente formais ou processuais não devem ser obstáculo à apreciação do mérito das demandas.
Assim, a missão Constitucional dos Tribunais Superiores e de todo o sistema jurisdicional não deve servir para perpetuar injustiças, com apegos a formalidades processuais impeditivas de julgamento de mérito, tendo em vista precipuamente que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, sem falar no princípio da dignidade da pessoa humana.
A justiça substancial ou material está umbilicalmente ligada às decisões de mérito, de sorte que o direito não pode satisfazer-se com ficções jurídicas. Como defende Calamandrei, o sistema rígido de preclusões é vero e próprio congegno [dispositivo] di tortura processuale, porque conflita com o escopo essencial do processo que é a busca da verdade substancial.[2] 

Vagney Palha de Miranda. Advogado. Especialista em Processo Civil pela IBDP/LFG. Especialista em Direito Constitucional pela LFG. Especialista em Direito Tributário pela LFG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie. Realizou cursos complementares jurídicos em Universidades estrangeiras, como a de Yale, Michigan e Edimburgo.

Piero de Manincor Capestrani. Advogado. Especialista em Processo Civil pelo Mackenzie, e em Direito Público pela ESD-Escola Superior de Direito. Bacharel em Direito pelo Mackenzie.


[2] CALAMANDREI, Piero. Parere della Facoltá di Giurisprudenza a S. E. Il Ministro della Giustizia sul Progetto preliminare Del Codice di Procedura Civile, p. 24-26 in TUCCI, José Rogério Cruz e. Piero Calamandrei – Vida e Obra: contribuição para o estudo do processo civil. Ribeirão Preto: Migalhas, 2012, p. 103.

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