20.1.15

Cadeia.

A pena entrou em greve. “Não escrevo mais.” “Mas, assim não pode ser, o mundo precisa da escrita”, contestou o escritor. “Discordo. Você não chegou até aqui?! Aliás, nem sempre se escreve. Prefiro os desenhos, a fala, a música e as esculturas. Escrever é tão cansativo. Estou farta dessas suas dúvidas, com pausas, com riscos e com inserções.” Ele, indignado: “essa é boa, essa é boa, hahaha. O trabalho de um pincel, pode apostar, é muito mais desgastante. Vive com a cabeça molhada e multicolorida. As ferramentas de um escultor, mais ainda, são castigadas intensamente. Bate, puxa, descasca, fura.” Ela se calou.   
No dia seguinte, angustiado, ele a buscou da gaveta, esperançoso de ânimos mais serenos. Que nada. Mesma casmurrice.
“Não é possível. As pessoas sentirão muita falta dos seus préstimos, entremos em um acordo, o que propõe?”
Interessada, a dona da escrita pensou, pensou, e teve uma ideia. “Aceito. Diferentemente de outras artes ou funções, escrever e ler demandam muito mais imaginação e esforço para o interlocutor. O trabalho é meio pronto. Seu final vem pelo outro. Este, além dos estímulos intuitivos do tato, da audição e da visão, deve conhecer todo um complexo código, o das letras. Por isso, ou sabe-se ler, ou o texto não terá serventia. Assim, sinto inveja das outras artes, mais populares. Também quero entrar nessa dança, poxa. Pois bem, o acordo é esse: voltarei a trabalhar se você concordar em defender, em divulgar, em enriquecer meu lado artístico. Chega de escrever só cartas, panfletos políticos, normas jurídicas e avisos de “propriedade particular”. Use-me para o encanto, para a surpresa, como faísca da imaginação, como impulso para um lugar melhor. Combinado?!”
Dizem que foi assim que foi escrito o primeiro livro.


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